Capítulo 10

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Se ele mudar de comportamento, anote a data e analise a causa. Pode ser que tenha o impressionado.
Do capitulo intitulado «Causa e efeito»

Seus pais não eram as pessoas mais sutis com as quais o Senhor havia abençoado a terra, decidiu Rebecca, com vontade de se esconder embaixo da mesa do jantar.
Era doloroso e óbvio, e tinha a nítida sensação de que todos os presentes sabiam que a estavam jogando para cima de Damien Northfield, como se fosse uma vaca premiada, exibida diante de um granjeiro rico.
Para piorar as coisas, também parecia evidente para todo mundo que a senhora Newman estava de olho em Robert. Quem sabe tratava-se de uma regra tentar apanhar o solteiro mais reticente da Inglaterra, ou o simples desejo de um interlúdio prazeroso, mas se a mulher pensava que agia de maneira discreta a respeito de suas intenções, estava muito enganada.
Afinal, o que era uma reunião campestre sem a sedução correspondente? Pensou Rebecca com tristeza, enquanto agarrava a taça de vinho. Naquele momento, a encantadora Loretta se inclinava provocante na frente de sua presa, mostrando o decote para tirar o máximo proveito de sua postura, pois o escasso franzido do corpete não conseguia ocultar a curva superior de seus seios em sua totalidade.
—Talvez devesse modificar sua expressão.
A afável sugestão a sobressaltou, e o vinho salpicou perigosamente na borda de sua taça. Damien, sentado ao seu lado graças às manobras de sua mãe, aproximou-se e sussurrou em particular.
—Ele está falando com ela, mas olha para você. Fazia anos que não me divertia tanto.
Robert a estava olhando? Não sabia se era assim, mas o certo é que ela estava se esforçando muito para não olhar para ele.
—Minha expressão? —perguntou com a voz rouca.
— Diria que tem vontade de arrancar o coração dela e isso, durante o jantar, seria excessivo e inconveniente.
—Vejo que você está passando muito bem, milorde.
Damien riu baixo e desviou a vista para o prato de pescado.
«Maldito seja.» Rebecca desfrutou amaldiçoando em silêncio, e abafou um gemido por aquela perspicaz observação. Sua mãe, que provavelmente tinha visto aquele aparente intercâmbio íntimo do outro lado da mesa, sorria radiante.
«Deus bendito, que pesadelo.»
Rebecca se dedicou ao bacalhau ao forno com falso entusiasmo, apesar de não ter nenhum pingo de apetite. Conseguiu engolir alguns pedaços e fingiu estar centrada na comida, quando na realidade, estava ciente do sorriso de Robert, legendário e contagioso. A luz do candelabro conseguia um efeito malicioso na estrutura de seu rosto, que enfatizava a elegância de suas maçãs da face e o traço sedutor de sua boca.
Pare — ameaçou a si mesma — antes de colocar-se em ridículo e que os outros começassem a perceber.
O que aconselharia lady Rothburg nesta situação? O mesmo bater de cílios e esse provocante comportamento em que a senhora Newman se desdobrava no outro lado da mesa? Certamente havia um método melhor, mas R ebecca não tinha nem ideia de qual era. Talvez pudesse pedir o livro a Brianna essa mesma noite. Ou optava por essa medida radical, ou a abandonava, e acatava a vontade paterna e escolhia um marido.
Rebecca abordou o rosbife com purê de batatas com sombria determinação, embora tivesse o estômago um pouco revolto. Com a chegada das sobremesas uma sensação de alívio a invadiu. Assim que retirassem os pratos do jantar e servissem o Porto aos homens, as mulheres se reuniriam para mexericar um pouco. Ela, por outro lado, podia alegar uma dor de cabeça e fugir para seu quarto.
Era um plano perfeito, pois realmente sentia um martelo nas têmporas.
Até que se frustrou por completo.
Quando tentou desculpar-se, sua mãe lançou-lhe um olhar capaz de pulverizar uma montanha e transformá-la em uma pilha de escombros.
—Na verdade o que precisa é um pouco de ar fresco. Vá ao terraço, querida. Talvez lorde Damien a acompanhe.
Para Rebecca era impossível suportar durante quatro dias que os juntassem com tanto descaramento. Pigarreou:
—Estou certa de que ele espera com tanta ânsia o Porto como o resto dos cavalheiros. Eu ficarei bem sozinha.
—Estou certa que insistirá.
«Bom — pensou zangada, — agora não tem mais jeito.» Damien inclinou a cabeça.
— Ficarei encantado, é obvio. Mas antes prometi à senhora Newman que esta noite iria mostrar um peculiar mapa da Manchúria na biblioteca. Talvez Robert pudesse acompanhar a senhorita Marston em meu lugar?
Uma expressão de horror cruzou o rosto de sua mãe. Rebecca reprimiu uma sonora gargalhada. Uma coisa era empurrá-la para sair de braços dados com um dos solteiros mais cobiçados da reunião, e outra muito diferente era enviá-la alegremente para passear com um conhecido libertino, embora ambos fossem irmãos.
—Eu. Eu, bem.
—É obvio, será um prazer — interveio Robert com finura e talvez com a intenção de ajudar Damien a fugir dessa manobra evidente, ou talvez parecesse divertido zombar de sua mãe, o. Rebecca não sabia no que acreditar. Talvez seu irmão tivesse razão e Robert estivesse realmente interessado? —Também gostaria de um pouco de ar fresco. Vamos? — ele murmurou.
E foi assim que Rebecca se viu de braços dados, e essa proximidade fez com que seu coração começasse a palpitar. Embora por sorte não repetisse seu desempenho de seu último encontro, e não se chocasse contra ele quando ambos saíram da sala do jantar.
Foi um começo muito melhor que a última vez que estiveram juntos e a sós. Além de não terem o voraz lorde Watts pisando em seus calcanhares, pensou, sem saber se devia estar agradecida a Damien ou não. Estava claro que o fato dela estar apaixonada por seu irmão caçula o divertisse o suficiente para interferir, ou talvez somente tentasse não ser vítima da estratégia casamenteira de sua mãe.
Era verdade que Robert a estava observando durante o jantar?
Rebecca baixou as pestanas e observou furtivamente o homem alto que tinha ao seu lado. Nenhuma palavra saiu como da última vez. Se existisse a possibilidade dele a considerar um pouco atraente como ela o considerava. Bem, tinha que saber se isso era certo.
Estava desesperada para saber a verdade.
«Preciso desse livro diabólico.»
—Lá fora faz frio. Você quer um xale?
Ao ouvir a pergunta deu um salto, sem nenhum motivo.
—Mmm, não. Não, obrigado. Lá dentro fazia bastante calor. Este ar fresco é uma delícia.
—Você esta com as faces um pouco ruborizadas.
É obvio que estava. Tal como Damien havia falado, ruborizava-se sempre na presença de Robert. Era irritante não poder controlar-se e, agora ele havia notado. Grande tortura.
—Estou muito bem, eu garanto. —Aquilo soou mais áspero do que pretendia.
—É claro. —Robert a seguiu para fora. O traje de noite feito sob medida e esse sutil sorriso nos lábios davam-lhe um autêntico aspecto de patife elegante. — Diga-me, senhorita Marston, está gostando da festa até agora? Notei que minha cunhada fez o favor de não incluir o persistente lorde Watts na lista de convidados.
—Isso é porque Brianna sabe que a teria estrangulado se o houvesse convidado — disse com veemência. —Meus pais o consideram um bom partido. Mas minha opinião é algo diferente.
Soprava um ar fresco de outono e pareceu maravilhoso senti-lo sobre os ombros nus. Durante todo o dia se formaram algumas nuvens, e o nevoeiro obscurecia a lua. Perto dali, um pássaro cantava em um tom baixo e melancólico. Ouvia-se o eco de suas pegadas sobre a pedra polida e, exceto por sua presença, o enorme terraço estava deserto.
Estavam sozinhos.
Bom, no momento. Sua mãe não toleraria essa situação por muito tempo, e Rebecca não queria nem pensar o que seu pai era capaz de fazer.
Robert levantou uma sobrancelha com ar malicioso.
—E agora eu diria que estão a favor de Damien.
Percebeu isto também. «Bem, talvez não devesse sentir tal onda de felicidade», disse uma voz interna. O mais provável era que não significasse nada. Sem dúvida todos os convidados tinham notado que seus pais a estavam jogando nos braços de seu irmão.
—Sim — Rebecca murmurou. —Pobre homem.
Robert começou a rir.
Aquele som continha uma nota irresistível que ela desejou poder traduzir em música. Quando esboçava esse sorriso fascinante e característico, seu rosto também possuía algo especial, que conseguia fazer seus joelhos tremerem. Talvez ambos os irmãos fossem igualmente bonitos, mas o que atraía Rebecca em Robert era seu carisma. Era uma energia, uma força real, e embora não fosse nenhuma perita em assuntos de sedução, supunha que se seu êxito com as mulheres se devia a algo, era essa inegável atração.
—Sobreviverá. As pessoas tendem esquecer que meu irmão mais velho aconselha alguns dos homens mais ilustres de nosso tempo — comentou Robert enquanto se dirigiam para a balaustrada. Apoiou o quadril nela e se virou para olhá-la. —Damien não parece ardiloso, mas ele é. Viu a habilidade com que agiu lá dentro? Um resgate rápido graças a uma pequena, mas criativa manobra.
Rebecca não pôde evitar um sorriso.
—Imagino que com «resgate» você se refere a escapar das técnicas mais que óbvias de minha mãe.
—De fato, eu pensava mais em mim mesmo e na insistente senhora Newman. Acredita realmente que a interessa um mapa da Manchúria? Pessoalmente eu duvido. Não acredito que a geografia esteja entre suas preferências. Pelo contrário, parece ter mais inclinação para a última moda em chapéus do que para cordilheiras de países longínquos.
—Eu pensei que gostasse dela. —Provavelmente Rebecca não deveria ter dito isso, mas escapou de qualquer forma. Em seguida retificou: — Pelo menos deu essa impressão.
— Sério? —Robert respondeu secamente. Olhou para os jardins e encolheu os ombros. —Não pretendo parecer descortês. É uma jovem bastante agradável.
Rebecca se sentiu muito aliviada, pois isso não soava como o comentário de um amante. Certamente ele não se mostraria tão distante se ambos tivessem desaparecido antes para um romântico encontro clandestino. Robert tinha fama de cultivar aventuras passageiras, mas ela nunca tinha ouvido dizer que ele fugia deixando para trás um rastro de corações partidos. Se ele fosse tão cruel as pessoas não o apreciariam, de maneira que o encolher os ombros enormes de modo fugaz traduzia algo, o pequeno flerte não se transformou em sedução.
Embora ela não tivesse o direito a sentir-se aliviada, ficou.
Não tinha nenhum direito sobre o homem que estava de pé ao seu lado.
— Entendi. —Não foi um comentário muito brilhante, mas duvidava que «brilhante» servisse para descrevê-la quando estava com ele.
— É mesmo? —perguntou ele em voz baixa e olhando-a de um modo que Rebecca sentiu o coração na garganta.
Robert tinha esse poder, disse a si mesma com dureza. Seduzia com um olhar, com um sorriso, com uma carícia. Isso não significava que Damien estivesse certo.
Mas dava-lhe esperanças de que talvez estivesse.
— Acho que sim. Limitamos a nós mesmos com todas essas regras de civilidade — murmurou sua acompanhante — que isso pode induzir alguém acreditar que existe um interesse, quando na realidade, só estamos sendo educados.
Robert mal ouvia o que ela dizia.
Azeviche. Essa era a cor de seu cabelo. Passou a noite inteira tentando defini-lo. Denso, escuro, reluzente. Contrastava com a pureza de sua tez branca de um modo que atraía olhares, e seus olhos cor cobalto completavam essa imagem tentadora. Robert amaldiçoou a si mesmo. Estava certo que Damien acreditava que o ajudava distraindo a senhora Newman.
Não o ajudava nem um pouco, porque isso colocava a tentação diante do seu nariz.
Robert era consciente que tinha observado a encantadora Rebecca, como um maldito estúpido, desde que tinha chegado à noite anterior, rigorosamente escoltada por seus pais. Essa atração sem precedentes por uma dama jovem e solteira o deixava nervoso. E se sentia atraído. Se não fosse por Rebecca, é provável que tivesse considerado a oferta tácita da senhora Newman, e teria passado uma noite muito prazerosa em sua cama.
Era desconcertante, mas pelo visto sua fascinação atual excluía o interesse passageiro por outra mulher, coisa que em um momento como este não ajudava. Ela continuava ali e levantou os olhos para ele. A luz suave deslizava pelo seu rosto, tinha a boca apenas entreaberta e Robert teve que evitar o impulso de inclinar-se para seu doce aroma. Para sua sorte, a mãe da Rebecca tinha reagido de forma evidente, por isso duvidava que esse breve passeio se prolongasse por muito tempo antes que enviassem alguém para resgatar a formosa e inocente donzela de suas garras vis.
—Ao menos não parece que Brianna tenha decidido nos ocupar cada minuto do dia com atividades que a educação nos impeça de declinar. — Falou para ele com um sorriso tímido.
Essa forma leve e tímida de curvar a boca fez com que Robert percebesse o pouco que sabia sobre jovens ingênuas. Passava a vida toda se esforçando para não saber nada. Não tinha irmãs, quando se envolveu com Elise não era mais que um menino e a partir daí foi como se o seu caminho já estivesse decidido. Não necessariamente em uma direção errada, ou havia pensado assim até agora. Mas agora percebia que por causa de suas decisões passadas se fecharam algumas portas. «Respeitabilidade» era uma palavra que sempre o divertiu. Colton já era bastante respeitável por todos eles.
Era uma infelicidade que os lábios e o cativante sorriso de Rebecca monopolizassem toda sua atenção nesse momento. Teria sido melhor se não a tivesse provado nessa ameaça de prova breve.
E, maldita seja, desejava mais. Qual seria o homem que iniciaria a deliciosa Rebecca no gozo dos prazeres sexuais? Bem, essa fantasia era nova. As virgens nunca, jamais o haviam interessado; não quando havia tantas amantes experientes e dispostas ao tipo de relação passageira que ele preferia. Mas ela tinha algo, além de um corpo esbelto e seios obviamente espetaculares. Talvez uma aura de sensualidade inconsciente que indicava que, com o instrutor adequado, seria uma companheira de cama muito satisfatória.
Companheira de cama de outro, concluiu com rudeza, se perguntando que diabo estava acontecendo com ele. De seu marido.
Robert levantou uma sobrancelha e tentou responder ao comentário de Rebecca com naturalidade.
— Essa é uma das vantagens de ser da família. Eu me negaria se Brianna tentasse me obrigar a jogar charadas, ou algum outro entretenimento insosso desse tipo. Pelo que sei além de uma atuação musical amanhã de noite, não vamos sofrer nenhuma dessas habituais afrontas a nossa sensibilidade. Acredito que uma das Campbell vai destroçar a obra de Haydn ou de algum outro compositor que deve estar encantado por estar morto e não ter que ouvir tal sacrilégio.
Algo se agitou na expressão de Rebecca, que disse em seguida em voz baixa:
—A verdade é que eu tocarei.
Robert se sentiu imediatamente como um idiota. Por todos os demônios, acreditava ser encantador ao extremo e não um idiota que insultava jovens, muito fascinantes e belas neste caso. Brianna não devia ter dito a ele quem seria a intérprete, porque dado seu estado de amor aparente, se tivesse mencionado Rebecca ele teria se lembrado. Alguém devia ter feito um comentário sobre as irmãs Campbell e ele se confundira.
—Minhas desculpas. —passou a mão pelo cabelo e suspirou. —Por favor, me perdoe se puder. Assisti muitas audições que me provocaram dor de ouvidos e que me fizeram amaldiçoar o homem que inventou o piano. Mesmo assim, e embora não fosse minha intenção insultá-la, isso não é desculpa. Suponho que tampouco devia caluniar as senhoritas Campbell sem tê-las ouvido tocar.
Em lugar de se virar e partir indignada e ofendida, Rebecca Marston começou a rir de um modo encantador e espontâneo.
—Não sei se percebeu milorde, que acaba de lançar um desafio — disse com ar malicioso. — Pelo visto eu devo mudar sua opinião sobre as donzelas e seus dotes musicais. Permite-me aceitar a provocação?
Aquela inesperada reação o deixou desconcertado. E, maldição, estava outra vez olhando a boca tentadora.
—Acredito que a ofendida é você, assim como poderia negar-me?
—Toque comigo.
Ele ficou olhando, atônito ante aquela delicada afirmação. «Toque comigo?» "Deus, sim — sussurrou uma voz caprichosa dentro do seu cérebro. — Eu adoraria. Tocar esses seios redondos e firmes que se aninham sob seu recatado vestido, enlaçar os dedos nessa cabeleira sedosa, beijá-la até ficar sem fôlego, separar suas coxas e afundar meu membro duro até o fundo, até o coração do paraíso.".
Uma voz muito diferente, fria e prática neste caso, lembrou-o que brincar com virgens não era uma boa ideia. Flertar com uma virgem com um pai poderoso e protetor que o desprezava era uma das piores ideias que um homem poderia colocar na cabeça. Por outro lado, estava certo de que o que ela estava sugerindo não ia de maneira nenhuma à mesma direção que esses pensamentos tão impuros.
—Poderia ser um pouco mais específica senhorita Marston?
—Seu irmão disse que você é um grande violoncelista. Acontece que eu trouxe uma peça musical para piano e violoncelo. O que acha de um dueto?
O tipo de dueto que ele tinha em mente não tinha nada a ver com teclas e cordas.
Se estivessem em Londres poderia negar com educação, com a desculpa de que não tinha o instrumento à mão. Mas era certo que seu violoncelo estava ali, em Rolthven, e embora nenhum de seus irmãos soubesse, sua avó com certeza sim. Acabava de insultar Rebecca e, como cavalheiro, não podia agravar tal pecado com uma mentira. Não era muito partidário de tocar em público, mas se tratava de um grupo bastante reduzido. Além disso, nos enormes olhos de Rebecca havia certa ingenuidade que o impulsionava a agradá-la.
Teria que analisar isso mais tarde.
—Faz bastante tempo que não toco, mas acho que poderia tentar.
—Excelente. Eu me encarregarei de que amanhã pela manhã entreguem a partitura para que possa ensaiar algumas vezes. —Em sua face apareceu uma covinha zombeteira. —Não queremos insultar o compositor cometendo um sacrilégio musical, não é verdade?
Ele reagiu com uma gargalhada espontânea.
—Imagino que custará me libertar desse comentário infeliz, não é?
Preferia as mulheres com senso de humor. Por um lado eram companheiras de cama mais divertidas e tinham tendência a não ser tão mimadas e arrogantes.
Maldição, tinha que manter seus pensamentos afastados do quarto quando se tratasse da senhorita Marston.
—Sim, pois se trata de alguém que leva a música a sério — ela disse. —Como eu mesma.
Fascinante. Como ele, embora não fosse algo que compartilhasse com muita gente. Para Robert era um assunto particular que a beleza da cadência e do som fosse como um bálsamo para sua alma cansada.
—Ah, sim?
—Sim, é claro. —A certeza no tom era indiscutível e Robert teve a sensação de que queria dizer algo mais, mas ficou calada.
O ar cheirava a outono, e obrigou-se a se concentrar em algo que não fosse à jovem ao seu lado. Como folhas em decomposição rodeadas de terra úmida, com um leve toque de fumaça de lareira. O aroma do campo outonal. Londres quase sempre estava impregnada de aromas muito menos sugestivos. Quando ele era mais jovem, esperava com impaciência deixar Rolthven para ir à cidade, mas naquele momento esse pacífico cenário lhe parecia mais atraente do que antes. Talvez parte dessa inquietação própria de um jovem estava desaparecendo com a idade.
Talvez estivesse amadurecendo e se transformando em um homem menos impaciente, mais estável, inclusive ao extremo de sentir um interesse sincero por uma dama jovem e solteira?
Não. Desprezou essa ideia imediatamente quando dançaram diante de seus olhos e o obrigaram a refletir, imagens de caminhos na primavera, catedrais cheias de convidados para as bodas e meninos sorridentes e gorduchos. A senhorita Marston trazia consigo todas essas coisas; e ele não estava preparado para abandonar seu despreocupado estilo de vida.
Além disso, se lembrava com clareza do olhar de terror no rosto de lady Marston, quando Damien tinha orquestrado uma rápida mudança de acompanhante para sua filha. Talvez ela estivesse a par da desavença entre Robert e seu marido, ou pode ser que fosse só por sua reputação em geral, mas de qualquer modo era assim. A corte de Robert, se é que considerasse essa loucura alguma vez, não seria bem recebida.
— Quanto tempo acha que falta para que sua mãe invente uma desculpa para unir-se a nós? — perguntou com um cinismo zombeteiro e no fundo realista, mas sem deixar de admirar o perfil nítido de Rebecca.
—Surpreende-me que já não esteja aqui — disse ela meneando a cabeça. —Embora nos vejam muito bem, suspeito que esteja nos vigiando.
Ele gostava da honestidade. Talvez fosse precisamente isso o que o atraía nela. A beleza somada a uma refrescante carência de artimanha. Era genuína. Não era vazia, afetada e nem superficial.
— Talvez devêssemos aliviar sua ansiedade. Eu a acompanharei para dentro antes que sua mãe sofra uma apoplexia. — Abrangeu a grande extensão de pedra do terraço com o olhar e com um sorriso nos lábios. —Embora este não seja um lugar confortável para seduzi-la, tenho a sensação de que se preocupa que eu tente de qualquer maneira.
«Talvez lady Marston devesse se preocupar.»
Rebecca reprimiu uma risada.
— Estou certa que para um conquistador de sua reputação o chão de pedra não o impediria.
Poderia fazer, é obvio. Ele contava com certa experiência em utilizar lugares pouco adequados, mas não pensava dizê-lo em voz alta.
—Eu tenho uma reputação? —perguntou deliberadamente e lhe ofereceu o braço.
— Eu não costumo a prestar atenção aos boatos — ela disse, contradizendo sua afirmação anterior.
«Todo mundo presta um pouco de atenção», ele pensou.
O som de uma voz com um tom gelado e inconfundível os surpreendeu.
— Rebecca, pensei que você não estava bem. Talvez devesse se retirar para os seus aposentos.
Ela estremeceu. Não exageradamente, mas Robert notou um puxão repentino na manga da jaqueta.
Ele se virou e se dirigiu ao pai da dama com um sorriso frio.
—Estava prestes a acompanhá-la novamente ao salão.
—Não é necessário. —Sir Benedict, de pé sob a soleira, apresentava um rosto impassível. —Eu mesmo a acompanharei.
Rebecca hesitou. Incomodava-a e a desconcertava esta tensão súbita, porém muito palpável, e então sussurrou:
— Boa noite, lorde Robert.
— Boa noite. —Ele a viu partir entre o gracioso redemoinho de suas saias de seda, e captou um último olhar desdenhoso de seu pai antes de fazer sua filha passar para dentro.
Acabava de receber uma advertência.

—Se você tem algum tipo de absurda inclinação romântica por Robert Northfield, deve deixá-la de lado.
Cada uma dessas palavras cortantes foi como uma pequena chicotada. Rebecca reprimiu a indignação de que a tratassem como a uma menina de forma evidente diante de outra pessoa, Robert nada menos, como certa sensação de confusão. Tampouco era muito digno que quase a arrastassem escada acima, para o quarto.
—Não foi mais que um simples passeio pelo terraço. Mamãe pode dizer que nem sequer ele pediu. Seu irmão sugeriu.
—Acredita — disse ele com idêntica frieza — que não percebi como reage diante deste jovem.
Aquilo a deixou sem palavras. Se pudesse negar o faria, mas não podia, de modo que se limitou a tentar não tropeçar na saia, enquanto tentava compassar o passo com os grandes passos que o seu pai dava.
— É totalmente inapropriado.
A impassibilidade do rosto paterno não convidava a fazer perguntas. Contudo, Rebecca se atreveu a uma, pois era óbvio que não tinha a menor ideia do que estava acontecendo.
—Ele o desagrada. Por quê?
—Sim, me desagrada — confirmou sir Benedict — e não direi por que.
—O duque o agrada. Aceitou sua hospitalidade. E é óbvio que lorde Damien conta com sua aprovação, já que seu entusiasmo para que eu aceite sua companhia me expõe ao ridículo.
—Nenhum deles tem nada a ver com isto. Robert Northfield é um homem independente e este assunto não diz respeito a você de maneira alguma.
—Como não? —Perguntou ela com ar incrédulo. —Quando me lança um ultimato por uma simples conversa, na frente de todos.
Reservaram-lhe um quarto na ala esquerda. O corredor, imenso e elegante, estava repleto de portas de madeira esculpida e abajures acesos sobre mesas polidas. Com o rosto pétreo, seu pai a seguiu até sua porta e a abriu.
— Nos veremos pela manhã, querida.

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