Capítulo 29

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                 20 anos atrás.

Yarique levantava cedo para mais um dia de trabalho. Beijou a testa e a barriga de sua mulher. Ela já estava com 4 meses e a cada dia ficavam mais ansiosos para o nascimento do filho. Ele suspirou, queria somente estar ansioso e feliz, porém estava longe disso; tinha medo. Medo da vida que seu filho teria que viver.

Quando abriu a porta, encarou o céu cinza. Era algo tão intrigante o fato de apesar dos raios de sol passarem pela nuvens cinzas era impossível ver ele. Já havia lido sobre como o céu era de um belíssimo azul antes do declínio, com nuvens brancas, e como era bom admirar tamanha beleza. Desejava tanto poder ver isso.

Observava todos indo trabalhar com sorrisos no rosto e otimismo. "Tolos!" pensava Yarique. Tentava entender como eles poderiam ser tão manipulados ao ponto de achar aquela vida digna. Desejava poder lutar, mudar aquilo, porém, o que um homem sozinho poderia fazer?

Não estava conformado com aquilo; na verdade, nunca estaria! Tinha sede por mudanças, sede pela revolução. Não podia viver para trabalhar ali, aquilo não o levaria para lugar nenhum além da cova.

Yarique sempre foi diferente, curioso demais, inteligente demais, audacioso demais, único demais; e por isso pagaria um preço.

Quando chegou no galpão onde embalava alimentos encontrou Robert na portaria.

— Bom dia! — comprimentou, recebendo como resposta somente um aceno de cabeça.

Não se importava de trabalhar para sustentar sua família, daria o mundo por sua mulher e seu filho que estava para nascer, porém não conseguia aceitar a injustiça dessa separação.

Na verdade não esperava nada diferente vindo do governo, sempre viu todas as pessoas idolatrarem o vice presidente Adolf Escariote e não entendia tal ação. Nunca ninguém viu o atual presidente, só sabiam que ele possuía uma rara doença que o impedia de sair em público. "Uma desculpa muito mal contada" pensava Yarique.

Ele observava atentamente cada pessoa que trabalhava junto dele ou que moravam próximos a sua casa. Estava criando um plano e precisava pensar bem antes de agir.

Rarun era um homem viúvo, sua mulher havia morrido de uma doença desconhecida há duas semanas, doença que só surgia após irem para Inferius. Um homem calado, que carregava raiva em seu coração. Yarique lembrava de já ter o visto em aulas de luta em Potissimum. Era um homem forte e destemido, um bom candidato para seus planos.

Logo começou a observar Fael, um homem de 40 anos, forte e aparentemente confiável. Sabia que ele tinha 11 filhos, uma quantidade até pequena de se ver.

Yarique sabia que de acordo com quantos filhos a pessoa teve antes da separação o salário era maior, porém estava longe de ser algo capaz de sustentar facilmente tantos filhos.

O próximo a qual ele analisou foi Ainlan, um jovem com 23 anos que não era casado; o que era estranho para alguém de sua idade. Vivia sozinho em uma casa distante de todos, um homem aparentemente calmo, porém com um olhar carregado de ódio.

Yarique sorriu disfarçadamente. Se encontrasse mais homens com aquele perfil, tudo daria certo.

Enquanto embalava aquele estranho pó se sentia triste, antes possuíam toda comida possível, hoje só lhes restavam uma espécie de sopa.

As vezes parava e tentava imaginar como seria sua vida se tudo não tivesse mudado. Viviane teria acompanhamento médico, seu filho nasceria de forma digna, teria tudo de bom e do melhor, como brinquedos e roupas. Ele seria uma criança feliz.

A única forma de conseguirem roupas ali era em um armazém para onde as roupas que os moradores de Potissimum não usassem mais eram mandadas. Porém, sempre vinham manchadas ou rasgadas. A cada dia a raiva crescia mais dentro de si, não conseguia aceitar; nunca conseguiria.

Sua mulher já havia o acusado de ser ganancioso, porém sua inconformação não tinha nada a ver com isso e sim com achar aquilo injusto.

O dia passou rápido, seu trabalho acabava no entardecer. Quando chegou próximo a sua casa escutou alguém o chamar.

— Yarique!

No momento que olhou para trás encontrou Esteban, o homem corria em sua direção.

— Já havia esquecido de sua visita.— confessou enquanto apertava a mão de Esteban.

Ele não estava com seu uniforme habitual, vestia uma roupa simples e carregava uma maleta. Não podia chamar atenção, pois saía de Potissimum somente para fazer uma varredura pelo deserto e era proibido de se relacionar com qualquer pessoa de Inferius.

— Como ela está? — Esteban perguntou.

— Teimosa como sempre. Vive andando por aí o dia todo tentando ajudar as vizinhas com seus vários filhos. — respondeu Yarique soltando uma risada.

Quando chegaram na casa, Viviane estava saindo da casa da vizinha.

— Oi, amor! — ela comprimentou enquanto depositava um beijo rápido em seus lábios. — Olá, Esteban! Como vai? — Viviane perguntou enquanto apertava a mão do mesmo.

— Bem, e você?

— Estou ótima! Trouxe o que lhe pedi? — ela indagou ansiosa.

Esteban somente assentiu. Esse simples gesto fez ela abrir um enorme sorriso.

— O que vocês estão me escondendo? — Yarique perguntou com curiosidade.

Esteban sempre ia os visitar para saber como estava indo o bebê. Ele era uma boa pessoa.

— Logo você irá descobrir. Vamos entrar! — ela exclamou entrando primeiro na casa.

Yarique estava desconfiando, porém resolveu entrar sem dizer nada. Viviane  logo se deitou.

— Com licença. — pediu Esteban enquanto se ajoelhava ao lado da cama.

Viviane sorria para seu marido que observava tudo com desconfiança.

— Levante a blusa. — Esteban pediu.

— O que?! — Yarique gritou.

— Calma amor, espere. — Viviane falou rindo.

Sem desviar o olhar de seu marido ela levantou a blusa. Sua barriga já estava maior do que o esperado para quatro meses.

Esteban abriu a maleta, que continha uma espécie de uma pequena televisão. Ele tirou do bolso um recipiente com gel e passou pela barriga de Viviane. Logo após ligou o aparelho e pegou uma luva que era ligada por vários fios à pequena tela e a entregou a Yarique.

— Coloque e passe sua mão pela barriga dela.

Mesmo tremendo ele foi. Aquilo era uma tecnologia dos hospitais de Potissimum, depois da separação não esperava entrar em contato com tal coisa.

Após colocar a luva começou a acariciar a barriga de sua esposa, e logo imagens começaram a aparecer. Era uma imagem meio destorcida, porém conseguia ver onde seu filho se encontrava.

Lágrimas banhavam os rostos do jovem casal. Era tão bom poder ver que seu filho estava bem, que estava se formando e crescendo.

Esteban analisou a imagem. As vezes trabalhava no hospital então entendia sobre aquilo, logo descobriu o sexo de bebê.

— É um menina! — ele exclamou após alguns minutos.

Yarique ficou surpreso, pois esperava que fosse um menino, porém a notícia não diminuiu sua felicidade.

— Olá, minha pequena! Papai já ama você. — ele falou sussurrando perto da barriga de sua esposa.

— A mamãe também já ama.

Yarique tirou a luva e se ergueu para depositar um beijo na testa de sua mulher.

— Obrigada por isso, meu bem. Eu te amo! — ele exclamou com um enorme sorriso.

Esteban se sentia feliz ao assistir aquela cena, era algo gratificante.

Quando ele já ia embora Yarique o chamou para ter uma conversa. Os dois foram para o lado de fora, que a escuridão da noite aos poucos estava preenchendo.

— Preciso de sua ajuda.

— Para o que?

— Para derrubar o governo. — Yarique respondeu convicto.

SOBREVIVA ATÉ O SOL NASCER [CONCLUÍDA/ EM REVISÃO]Where stories live. Discover now