Um convite inesperado

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Continuei encarando a pessoa do lado de fora da janela por mais alguns segundos antes de rolar por cima do colchão e correr para o quarto espaçoso de Tati.

— Tati! — chamei batendo à porta com o coração aos saltos. — Tatiele!

Como não obtive resposta, empurrei a porta e o suave som de um mantra me saudou. Acendi a luz e ela nem se incomodou.

Sacudi o ombro da minha amiga com força.

— Tati! Tatiele! — continuei chamando, mas ela não respondeu. Se não fosse pelo movimento constante e o suave ressonar da sua respiração, eu acharia que ela estava morta. Sono pesado do caramba, pensei como se fosse um xingamento.

Voltei para o meu quarto.

Olhei outra vez pela janela, graças a Deus não havia ninguém ali, mas não consegui pregar os olhos nem por um segundo, com medo que aquela pessoa aparecesse no nosso apartamento.

Eu não queria ficar sozinha no quarto, não depois de ter sido seguida e ter visto aquela sombra do lado de fora.

Talvez eu estivesse exagerando, poderia ser um entregador ou alguém que esqueceu a chave, tentei me convencer, mas meus instintos gritavam que não era coisa boa. Infelizmente, depois de tudo que aconteceu na minha vida, eu tinha aprendido a confiar nos meus instintos.

A imagem do rosto de Artur brilhou por trás das minhas pálpebras cerradas com força e passei os dedos pelos braços. Eu tinha percebido no dia da boate que havia algum clima esquisito entre ele e Bryan, mas o que quer que fosse parecia ser maior que apenas uma briga de garotos populares e envolvia Barbie e Johnny também.

Eu iria perguntar para ele na quarta-feira, no tal encontro à meia-noite, mas dessa vez levaria Tati comigo.

Mais uma vez meus pelos se arrepiaram e olhei outra vez pela frestinha da janela, mas não havia ninguém lá embaixo.

Peguei o meu travesseiro e a colcha da cama e levei para a sala, me espremendo no sofá. Teria que servir.

**

Acordei bem cedinho depois de dormir o pior sono da minha vida, pior até que os pouco dias em que dormi nas ruas de Belo Horizonte. Pelo menos naquela ocasião eu, movida pela minha estupidez adolescente, não senti medo. Eu sentiria medo se tivesse continuado em casa.

Belo Horizonte foi a cidade número dez em que tínhamos morado, a décima vez em que fugimos daquele homem asqueroso que diziam ser meu pai. Na ocasião ele se mostrou arrependido, disse que tinha se convertido em uma igreja bem séria e tudo. As coisas pareciam um mar de rosas que nunca tinha sido, nem mesmo quando eu era criança e eles estavam casados pela primeira vez.

As coisas desmoronaram depois de algum tempo, quando a empresa que ele trabalhava o demitiu por um corte de funcionários devido à crise. Ele voltou a beber e a agredir a minha mãe.

Daquela vez não houve Jonas Bastos para nos defender, eu precisei me interpor.

Ainda podia sentir a garganta queimando pelos gritos que dei, mas a maior dor foi de ter sido literalmente esfaqueada pelo meu próprio pai. Depois que tive alta do hospital, mamãe me fez pedir desculpas para ele como se fosse culpa minha.

Me arrependi um milhão de vezes por tê-la deixado sozinha com ele, mas eu não ficaria ali para ver o circo de horrores se desenrolar, não depois da minha mãe ter passado por toda aquela merda quando eu tinha doze anos.

Sequei a lágrima idiota que desceu pelo meu rosto e chequei o horário no celular: mal passava das seis da manhã.

Corri para o meu quarto para pegar algumas roupas e tomei um banho quente.

Rosas Azuis [CONCLUÍDA]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora