Eu, Você e o Morro

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Iara

Quando vi a casa simples e toda aconchegante, uma casa que trás lembranças de infância a qualquer um, eu sabia que Ícaro não estava me levando para comer algo e depois transar a noite inteira, ou para conhecer um amigo, Ícaro estava me levando para conhecer alguém especial, família, pais, não tinha como saber ao certo mas o medo me dominou.
Por um momento tudo que passei com Binho passou por minha cabeça, eu não quero passar por tudo de novo, eu não posso, eu não aguentaria.

Uma mulher de aparentemente 40 anos, negra de cabelos curtos e cacheados, corpo bonito mesmo coberto por um vestido longo, surgiu me surpreendendo com um abraço, um abraço diferente, um abraço de mãe, um abraço de conforto. Me entreguei aquele abraço sorrindo.

— Você é linda — elogiou mais uma vez — Finalmente tu serviu pra alguma coisa, me arranjou uma hora decente — disse pra Ícaro bum tom divertido e ele revirou os olhos.

— Vamos, vamos nos sentar, vocês têm muito que contar — a mulher estava animada e falava cada palavra acompanhada por um enorme sorriso.

— Calma mãe — Ícaro disse passando seu braço em volta do pescoço da mãe ficando do seu lado.

— Iara, essa é minha mãe, Laura, e Dona Laura, essa é Iara — sorri pra ela.

— Muito prazer dona Laura — falei sorrindo ainda me acostumando com aquela situação.

— O prazer é todo meu Iara, Ícaro fala de você todos os dias há meses — olhei surpresa para ele que deu de ombros — E me trate apenas por Laura — assenti.

[...]

Pedi para ajudar com o jantar mas Laura não permitiu, agora ela saiu para cozinha dizendo que estava terminando. Ícaro está todo jogado no sofá e eu estou com meus pensamentos.

— O que tu tem? — ouvi a voz dele e o olhei vendo seus olhos cravados em mim.

— Nada, eu só estou surpresa — ele sentiu pensativo.

— Aceita ser minha fiel? — fui pega de surpresa pela pergunta que saiu rápido e em tom não muito alto mas audível.

— O quê? — perguntei mesmo tendo escutado perfeitamente.

— Quer ser minha fiel Iara? — disse parecendo mais seguro de suas palavras.

— Eu... eu — gaguejei e vi seu olhar decepcionado, mesmo tentando não deixar transparecer. Mas eu não tenho culpa, eu sei que tenho sentimentos por Ícaro, mesmo tentando negar. Mas durante muito tempo eu me fechei, não imaginei voltar a me envolver com ninguém, sei que nem todos sei como o Binho, sei que devia tentar, mas só eu sei o que sofri.

— Me dá um tempo pra pensar? — perguntei ao notar que ele aguardava por uma resposta. Assentiu e voltou o olhar para a Tv, me senti mal, sei que ele também travou uma batalha para fazer este pedido e passou por cima dos seus medos, porém, não quero dizer um sim cheio de incertezas ou um não que me faça me arrepender.

[...]

Laura regressou poucos minutos depois e jantamos, a comida estava maravilhosa e suas palavras animadas disfarçavam o clima entre Ícaro e eu.
Ela perguntou sobre nós dois, sobre mim, falou sobre Ícaro, sobre como ele era na infância e sobre como ela rezou para que ele encontrasse a mulher certa. Mas serei eu essa mulher?

Engoli em seco quando Laura disse num comentário animado "não quero ser a sogra chata, mas não vejo a hora de ter meus netinhos, Ícaro cresceu tão rápido e eu fiquei muito solitária".

Ícaro ainda não sabe que eu não posso ter filhos, e sinceramente não sei se isso mudaria alguma coisa, não sei como ele reagiria e muito menos como sua mãe reagiria. Ninguém sabe desse detalhe, senti muita vergonha de mim mesma e quis esquecer, por isso eu nunca serei capaz de ter minha vida novamente, e esquecer meu passado, Binho se encarregou de estragar minha vida e me tirar tudo que eu tinha, matou meu filho que mesmo ainda na minha barriga eu já amava e não via a hora de tê-lo em meus braços e ainda me tirou a oportunidade de algum dia ser mãe.

Suspirei fechando os olhos.

— Iara, você está bem? — ouvi  a voz da mulher e abri os olhos de imediato querendo transmitir a impressão de estar tudo bem.

— Claro, estou sim, só estou cansada — disse com um meio sorriso.

— Acho que já está na hora da gente ir — disse Ícaro com o tom sério.

Sua mãe tentou contestar mas Ícaro a convenceu mas ela nos fez prometer que eu iria para sua casa mais vezes.

Quando saímos da casa e ficamos só nos dois o clima estava pesado demais, e eu me sentia mal, por ele querer dar um passo importante e já ter provado suas boas intenções.
Ele não fez um discurso ou disse que me ama, mas Ícaro já provou, com atitudes.

Suspirei e fizemos o caminho até minha casa num silêncio de dar dor, e quando chegamos ele apenas parou e esperou para que eu descesse.

— Eu aceito — disse num tom baixo e ele me olhou sem entender, levantou uma sobrancelha me olhando.

— Eu aceito ser sua fiel Ícaro.

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