CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 1

— Meia hora atrás. — A voz feminina reverbera pelo escritório. — Era pra você estar sentada aí meia hora atrás.

O relógio à minha esquerda marca 13h30. Consigo ouvir o seu tique-taque forte e robótico, abaixo de gritos e risadas das crianças lá fora. A dona Ana me olha com certa impaciência, e nem posso retrucar. Mas preciso dizer algo. Ela está esperando. Me olhando. As sobrancelhas finas feitas com tinta estão para cima, criando rugas na testa. Por algum motivo, ela não voltou a falar ainda. Mas encara cada ponto do meu rosto.

— Desculpa, dona Ana. De verdade.

A diretora já está cansada de ouvir isso, mas o que vou dizer? Que me distrai brincando com as crianças e esqueci da nossa reunião marcada de última hora?

— É agora que você vai me demitir? — pergunto.

Em outro momento ela daria uma risada, pois não é a primeira vez que pergunto isso, mesmo sabendo a resposta. Agora, ela revira os olhos e bufa:

— Até parece, Sofia! Você é um caso perdido, garota. As crianças vão ter um ataque se substituírem você.

Levanto um canto dos lábios para sorrir. Dessa vez, sinto a pele esticando junto, endurecida.

— São crianças. Se apegam e se desapegam tão rápido...

— Com você é diferente. — Sua resposta é simples. — Enfim. Sua fama tá sendo tanta que até um ricaço veio matricular uma criança e exigiu que você desse aula.

— Como é?

Imito seu semblante de minutos atrás, erguendo a sobrancelha até criar linhas na testa. É para ser algum tipo de piada? Mas ela não está rindo. Na verdade, dona Ana está bem séria. Eu não acredito que o motivo da reunião tenha sido... algo assim.

— Bom — começo, me ajeitando na cadeira. Passada a surpresa, me empolgo em um sorriso. — Sabe que eu não recuso nenhuma criança. Se for possível se matricular... é claro que vou receber de braços abertos. Preciso preparar a sala, as crianças para receber seu novo ou nova coleguinha, ver as dinâmicas...

Sem perceber, passo a mexer a perna de ansiedade. A diretora continua mexendo na papelada, sem me encarar. Consigo ouvir sua respiração para dentro.

— Esquece. Você não vai ter tempo pra nada disso.

— O pai está com pressa? Quando vou conhecer a...

— Eles já estão aqui.

Ela deve ter percebido a confusão em meu rosto, pois repetiu:

— É sério, Maria Sofia. Eles já estão aqui.

Fico estática, esperando que seja mais uma brincadeira. É 1 de Abril e eu não percebi? Mas a expressão de Ana continua sem sombra de risadas, seus olhos castanhos com olheiras desmarcadas com um ar muito, muito sério. Fico tensa, o sorriso some do rosto. Isso não me cheira bem. Nosso ensino se destaca dentre as várias escolas municipais de São Paulo, mas ao ponto de um homem rico matricular seu filho aqui, ao invés de uma particular? No meio do ano letivo? Eu nunca vi algo assim acontecer antes.

— E tem mais — ela quebra o silêncio. — Não precisa preparar a sala, ele quer que você dê aula só para a criança. Tipo uma atenção especial, mesmo. Tá entendendo?

Sinto meus nervos tencionarem.

— Ele quer uma babá ou uma professora?

— Maria Sofia...

DOMINADA PELA MÁFIA - SÉRIE BLOOD & SWEETWhere stories live. Discover now