Capítulo 19

867 95 15
                                    

Capítulo 19

A medida que Ana ia me contando sobre seu passado, meu coração diminuía em meu peito. Não conseguia visualizar a garota de sorriso encantador e olhar tão intenso ter sofrido tanto nessa vida, o abandono de um namorado, a morte de seu pai e de seu filho. Eram muitas feridas e todas elas estavam apenas encobertas por uma fina camada de autoestima e alegria. E que ao primeiro toque, foram todas abertas e continuavam sangrando. Ela tinha exposto sua alma triste e quebrada, cheia de remendos, a mesma alma que pertencia a minha.

Eu não falei nada e Ana também não, ambos estávamos mergulhados na profundidade dos seus segredos, o dia estava passando lá fora, mas no nosso mundo era como se o tempo tivesse parado. Era como se estivéssemos numa redoma e nesse momento o que mais queríamos era que o silêncio falasse por nós. Senti que seu corpo tremia então a abracei com toda a força e ao mesmo tempo delicadeza que eu poderia ter. Queria que ela sentisse que eu não iria desapontá-la e que ao meu lado as coisas seriam diferentes. Quando ela começou a se remexer em meus braços a soltei, ela ficou em pé na varanda e eu a segui, ela me deu um beijo suave em meu rosto e finalizou:

— Os médicos disseram que a minha pressão ficou alta e que eles precisavam fazer o parto o mais rápido possível, era uma questão de agilidade para nós dois sermos salvos, aparentemente o Antonio estava sofrendo também, o que eles chamam de sofrimento fetal, mas meu menino não conseguiu sobreviver e mesmo o parto ter sido de urgência, ele já estava morto.

Ela não chorava mais. Peguei sua mão e fomos até meu quarto, senti que ela estava um pouco gelada e pálida também, peguei uma coberta em meu armário e a envolvi.

Perguntei se havia algo mais que eu precisava saber então ela me disse que após o ocorrido com o bebê, ela entrou em depressão, foram meses se tratando com psiquiatra e tomando vários remédios, até que num inicio de ano ela resolveu que ter pena dela mesma não resolveria e nem faria tudo mudar,  ela destrancou sua matrícula na faculdade e voltou a estudar, após quase dois anos longe da vida acadêmica,disse que concentrou toda a sua energia naquilo, não deixava ninguém falar sobre o ocorrido, porém ela percebia os olhares das pessoas, algumas com pena e outras a vendo como superação. Quanto ao Caíque ele já havia se formado, portanto ela nunca mais o viu, soube que ele se casou com uma garota de sua turma de Ciências Contábeis, mas só isso. Aparentemente ele foi esquecido por ela.

  Eu sei que ela ainda estava concentrada em sua história, mas eu precisava tomar algumas atitudes:

— Ana, por que você se submeteu a ficar no apartamento da Sarah, sabendo que ela ia te maltratar?

            — Eu precisava vir pra São Paulo Guilherme, apesar de ter algumas oportunidades lá em Minas, era aqui que eu sentia que teria uma vida de verdade. Eu enfrentaria tudo, somente para silenciar a voz que me suplicava para chegar até aqui. Era como se a minha alma despedaçada gritasse todos os dias dentro de mim, que algo muito melhor me aguardava nessa cidade, eu confiei 100% nessa intuição e meu único contato aqui é a Sarah e por mais que ela me odeie, ela me deu um mês para conseguir algo e depois sair de sua casa, mas eu sei que ela também aceitou minha oferta porque ela não perderia a oportunidade de me humilhar. Antes de eu chegar em São Paulo eu ofereci a ela todo o meu dinheiro que eu havia juntado em meus três anos de curso e sendo gananciosa do jeito que ela é também me aceitou por isso.

            Eu estava furioso com aquela filha da puta! Como ela podia tirar proveito disso tudo? Por que ela humilhava a Ana? Será que ela não tinha percebido que Ana era uma garota e que não foi sua culpa toda a fatalidade que o destino lhe pregara? Sentindo uma raiva que não cabia em mim, minha vontade era de ir até o apartamento de Sarah e lhe dizer umas verdades, mas assim que raciocinei melhor, uma ideia me surgiu e sem pensar em mais nada, perguntei a Ana:

            — Ana vem morar comigo? – meu tom foi de súplica, misturado com desespero.

            Ela se espantou com a minha oferta assim tão repentina e sem dar chances para ela argumentar, falei:

            — Ana, eu te amo! Estar ao seu lado para mim é o certo! E eu sei que você também sabe disso. Nós pertencemos um ao outro, você me faz feliz e eu quero lhe fazer feliz também, por favor, fica comigo? Aqui. Na minha casa, ou melhor, na nossa casa.

            Seus olhos se encheram de lágrimas novamente e um sorriso apareceu em seus lábios.

            — Você me ama? – ela me perguntou como se eu tivesse acabado de falar um absurdo.

            — Amo. Sou louco por você! Não paro de pensar em você, tudo o que eu faço nesses últimos dias é pensando em você. Minha vida se resume a você, meu amor.

            Ana me abraçou e senti sua urgência nesse ato, ela estava quieta, mas todo o seu corpo demonstrava que a minha declaração a tinha afetado, assim que ela desvencilhou seus braços de mim, suas mãos percorreram meu rosto e segurando ambos os lados dele, ela me disse:

            — Eu também te amo Guilherme, e acho que sempre te amei!

            Eu não cabia em mim, minha amada, minha adorada garota havia deixado todos os seus sentimentos extravasarem num único dia, do seu sofrimento até essa declaração, Ana era tão nobre, mesmo sofrendo ela me fez o homem mais realizado desse mundo, mas ela ainda não havia me dado uma resposta.

            — E então meu amor, vem morar comigo?

            Ela hesitou por alguns instantes percebi que estava tentada a minha proposta, mas algo ainda a incomodava e acredito que eu sabia o que era e me adiantei:

            — Nós vamos lutar juntos, não vou te abandonar jamais, não se preocupe com a opinião dos outros, eles jamais entenderiam o que sentimos um pelo outro. E quanto ao Gustavo, amanhã falaremos com ele. Também não quero que ele saiba por outras pessoas e se magoe com nós dois.

            Dito isso minha pequena guerreira balançou sua cabeça em sinal de positivo e depois me disse:

            — Eu aceito morar com você meu amor – e me deu um sorriso que eu jamais esqueceria.

Dona Dos Meus OlhosМесто, где живут истории. Откройте их для себя