sete

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Marceline

Marceline estava vidrada.

Estava sentada naquela mesa um pouco mais de uma hora e estava completamente vidrada na mulher em sua frente. Não conseguia parar de olhar para cada pequeno detalhe: a boca naturalmente rosada, tão cheia que parecia ter o formato perfeito de um coração gordinho. O nariz fino e empinado, os olhos castanhos - agora levemente desfocados devido ao vinho - as sobrancelhas um tom mais escuro que o cabelo e o cabelo... era castanho claro, proporcionando um tom de loiro queimado, acentuado com algumas luzes, mesmo que a raiz já estivesse crescendo. A diferença de tons era tão ínfima que somente chegando perto da forma como Marceline estava, alguém poderia perceber. E a textura era completamente delicada. Sabia se tratar de um cabelo naturalmente liso, mas também muito rebelde e indisciplinado, de modo que aqueles fios da raiz que contornavam seu rosto estavam levantados em ondas e as pontas terminavam com cachos bem abertos. Agora estava uma completa bagunça, já que Bonnie era o tipo de pessoa que tinha mania de passar as mãos pelo cabelo diversas vezes, mesmo que não percebesse.

- E você sempre morou aqui? - Marceline perguntou, enquanto roubava um Hot roll do prato da loira. Estavam dividindo o mesmo prato oval que Bonnie adicionava cada vez mais peixe e nenhuma das duas pareceu perceber isso. Ou se perceberam, não se importaram.

Marceline estava bebendo das palavras de Bonnie. Fazia muitas perguntas apenas para poder ouvir um pouco mais daquele timbre de voz.

- Sim - Bonnie respondeu - desde que nasci. Mamãe me disse que ela e o meu pai viveram os primeiros anos do casamento em outro estado, mas voltaram pra cá quando estava grávida de mim.

- E ela te teve muito novinha?

- Sim. Eu nasci quando minha mãe tinha vinte e dois anos... - Bonnie murmurou e arregalou os olhos depois. Abriu um sorriso bêbado e se inclinou para mais perto de Marceline, como se estivesse prestes a contar um segredo - é a idade que eu tenho agora. Acha que eu devia engravidar também?

Marceline abaixou a cabeça e riu. Uma risada baixinha e quase contida, mas genuína. Estava feliz em ver que Bonnie era muito engraçada e leve e não aquela pessoa reservada e misteriosa que teve na primeira impressão. Era só beber um pouquinho a mais de vinho que ela se tornava uma verdadeira tagarela, com pensamentos tão originais e criativos que encantavam.

- Acho que não - respondeu por fim, achando ainda mais graça da expressão confusa de Bonnie.

- Por que está rindo, Mar-celin? - a pergunta saiu muito mais como um soluço do que como uma frase completa.

- Você não precisa engravidar só porque sua mãe engravidou - Marceline respondeu pacientemente - você pode aproveitar a vida um pouquinho mais antes de formar uma família.

Bonnie tomou mais um pouco do vinho, agora pensativa. Olhava para o mar distante,  bem mais próxima da vocalista do que estava no começo da noite. Marceline observou cada pequeno movimento, com olhos atentos, sem se mexer ou se aproximar mais. 

Ela também ansiava por uma maior proximidade, desejando sentir o calor da pele dela ou a cadência de sua respiração, mas, com um gesto de autocontrole, conteve seus impulsos. Marceline sabia que uma abordagem mais sutil era necessária, pois a loira, embora tivesse sido alvo de sua investida descarada na noite do bar, parecia uma pessoa que valorizava um jogo de atração mais sutil. Afinal, naquela noite, o lugar e a atmosfera eram diferentes, e a despedida dela pela manhã, sem aviso prévio havia deixado uma lição.

Apenas pelo prazer da situação, ela estava disposta a deixar a tensão entre elas atingir o auge.


na ponta da língua (Bubbline)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora