na ponta da língua (Bubbline)

dez

Bonnie

Aquele dia estava insuportável.

Bonnie poderia colocar a culpa no sol que estava fazendo um ótimo trabalho em derreter cada material orgânico naquele lugar, mas devido ao ar condicionado não poderia usar dessa desculpa. Mesmo que o fato dele estar ligado, não mudava quase nada. Parecia que o calor estava cozinhando até mesmo a estrutura do prédio.

E tudo o que ela mais queria naquele momento era arrancar aquela roupa formal demais para o país quente em que vivia e entrar debaixo de um chuveiro com água bem gelada. 

A essa altura ela já tinha prendido o cabelo - de uma maneira mais apresentável do que usar um lápis 2.0 de qualquer jeito em uma reunião - e estava na segunda garrafa de água do dia. Seus pensamentos estavam frenéticos e a todo vapor na falha tentativa em se concentrar no trabalho que tinha em mãos, que no momento era apenas monitorar como estava o primeiro dia de shooting da campanha.

Ela mordia o lábio inferior e batia o pé ritmado no piso de madeira do estúdio enquanto evitava olhar para o alvo que fazia seu coração palpitar.

Fazia duas horas desde que Marceline havia chegado e menos de vinte minutos que terminara de assinar o contrato. Bonnie não estava presente no momento da contratação, até porque essa parte era responsabilidade exclusiva dos recursos humanos da empresa, mas foi espertinha o suficiente para acompanhar de longe. Ela tinha seus contatos e sabia ser muito discreta. Apenas demonstrar um leve interesse na contratação da nova modelo de sua campanha, conseguiu com que Corina - a moça que estava no RH naquele dia - lhe passasse todo o andamento das documentações.

Ela soube que Marceline precisou de autorização da gravadora e uma concordância entre os membros da banda para estar ali. Como ela conseguiu isso em tão pouco tempo ainda era um mistério.

Agora o estúdio estava cheio e a todo vapor. Apesar de nesse dia em específico as fotos serem apenas para um modelo masculino, todo o pessoal da equipe estava empenhado em fazer um trabalho decente. Da mesma forma que a vocalista parecia empenhada em ignorar Bonnie.

Não que ela tivesse ignorado completamente. Quando a avistou, Bonnie prendeu a respiração com o sorriso que recebeu, assim como um Boa tarde, Bonnie, muito educado. Mas fora só isso.

Bonnie estava se perguntando o que a motivara agir dessa maneira quando ela parecia estar tão interessada antes. Talvez Marceline tenha entendido que o silêncio de Bonnie era um segundo fora? Talvez dois golpes no ego da vocalista tivesse sido o suficiente e Bonnie não era estúpida em achar que era o único alvo da mulher.

A fama tem seus privilégios.

- Ela é uma vagabunda - Ana sussurrou perto do rosto de Bonnie, com o próprio rosto contorcido em uma careta.

Bonnie nem precisou perguntar de quem a amiga estava falando, quando ela mesma estava com essa linha de raciocínio, apesar de desejar que não. O caso era que desde o momento em que a mulher colocou seus pés naquele lugar, Letícia Gromann monopolizou sua atenção.

Aquela escultura esculpida de gelo que formava a personalidade da estilista? Parecia ter derretido e empoçado em seus próprios pés. Seu cabelo ruivo falso parecia flamejar em fogo cada vez que ela olhava para Marceline, soltava uma risadinha afetada ou encostava a mão na outra, com qualquer desculpa que fosse. Até mesmo Lara parecia encantada com a vocalista, visto que ambas ignoraram - ignoraram - a fotógrafa mais de uma vez, assim como o modelo. Ela não era uns dez ou doze anos mais velha que Marceline? Onde estava seu profissionalismo?

- Ela vai roubar a gostosa de você - Ana provocou.

- Quer parar de chamar ela assim? - respondeu irritada.