027: Academia de artes marciais

75 25 248
                                    

— Aonde a gente está indo? — Pergunto curiosa, um tempo depois de deixarmos a estrada. Minha cabeça está apoiada na janela conforme faço desenhos invisíveis no vidro escuro.

— É uma surpresa — me ajeito prontamente no assento e o encaro concentrado demais na estrada.

— Não gosto de surpresas, Querin. — Eu murmuro, apertando uma mão na outra. Ele franze a testa por um breve momento, então me encara um pouco antes de olhar para frente novamente. — Nem sei ao menos se foi uma boa ideia te seguir.

— Prometo que vai gostar. É um lugar que já havia prometido te levar.

Um lugar que tinha prometido me levar?
Isso só aumenta a minha curiosidade, porque para ser sincera, não me recordo de uma conversa com saída marcada.

— Não me lembro de nada.

— Ainda bem, desse jeito te surpreendo de verdade. — Ele diz em tom divertido e eu rolo os olhos, meio aborrecida.

Volto a minha posição anterior e me concentro em apreciar o céu do outro lado, está clarinho. Muito lindo, e os raios de sol que escapam entre as nuvem provavelmente aquecem a cidade movimentada em plenas onze da manhã de terça.
É engraçado como o mundo não para nem um segundo mesmo quando uma tragédia acontece em algum lugar. É como se nada fosse tão significante a ponto de ser percebido por uma eternidade, porque as pessoas tem uma vida. E elas tem que seguir na melhor ou na pior. É uma miséria a insignificância humana.

— Ei — me chamou Querin minutos depois. Não me voltei para ele, somente fiz que sim como sinal para que prosseguisse. — Está brava?

— Não — e não é mentira. O carro para, estamos em um semáforo agora. — Estou só pensando.

— Quer falar sobre isso?

Faço que não e o encaro por fim. — Não, é só bobeira.

Ele olha para mim com paciência assim que concorda, e um pouco intimidada com o olhar eu desvio o meu e encaro o pontinho vermelho baixar para o amarelo e logo se tornar verde. Como se me permitisse seguir assim como o carro no qual estamos.

— Querin...

— Pode falar, Igith.

— Também me acha uma egoísta?

A resposta demora para chegar, ele sempre busca pensar antes de falar, como se sempre estivesse em um campo minado e cada palavra pudesse ser o gatilho perfeito para acionar as bombas espalhadas pelo terreno.

— Não sou ninguém para te julgar, Igith — pondera ele com sinceridade. — Por experiência própria sei que existem momentos tão tensos na vida que nos levam a tomar decisões egoístas. E não quer dizer que elas são as melhores, por vezes são as piores. E é bom quando nos arrependemos delas, principalmente quando temos uma oportunidade para fazer diferente e de fato, fazemos. Talvez você não seja uma egoísta, quem sabe a situação te levou a agir feito uma.

Eu olhei para ele naquele momento, suas palavras não pareciam ser apenas sobre mim, davam a impressão de terem sido resultado de algo que já viveu. E, por ser assim, eu as absorvi com todo o coração.
Querin parecia ser o tipo de pessoa que passou por tanta coisa que o fez amadurecer precocemente, de maneira que isso se tornou uma de suas características que eu mais admiro nele.

[...]

Um bairro nos subúrbios da cidade, é onde Querin acaba de estacionar seu carro. É agitado, movimentado, é um bairro feliz e animado. Diferente daquele onde moramos, este tem crianças brincando no asfalto, umas jogando a bola e outras correndo feitos doidas.
O ar. É todo impregnado de diferentes aromas, de flores de uma floricultura do outro lado da rua, às típicas comidas rápidas dos bares encontrados por ali.

Marcas do Passado [✓]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora