014: Lindo dia, agonizante noite

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Estou deitada na minha cama ao lado de Yudis. Ela enfim voltou de viagem há dias atrás e assim como eu, tem visitado vovó Yame muito cedo antes de vir até casa me buscar para ir a escola junto dela. Hoje ela veio correndo para cá, já vestida em seu uniforme enquanto eu sequer tinha me levantado da cama até quinze minutos atrás.

Minha amiga está a limar as suas unhas pacientemente consoante conta como foi sua experiência na outra cidade, e eu, em contrapartida, ouço cada detalhe com atenção assim como ela estava quando decidi atualizá-la acerca de tudo que aconteceu com a nossa família nos últimos dias.
Yudis quase pulou de alegria quando ficou sabendo de que eu e os outros começamos a nos acertar.

Ela sabe desde sempre como era a minha relação com os meus pais. Por vezes, ela perguntava o porquê da nossa distância, mas Yudis nunca foi o tipo de pessoa invasiva, sempre foi compreensiva e tentava entender o lado de todos, não era como se Yudis não sentisse o clima tenso que pairava sobre nós quando nos encontrávamos no mesmo espaço. Ela era somente delicada com relação a isso e esse acaba se tornando um dos motivos pelo qual eu a amo tanto.

— Você está exclusivamente energética hoje, muito feliz — eu falo para ela e sorrio de lado, o rosto apoiado aos cotovelos. — Não me esconde nada de especial?

Yudis pisca vezes seguidas de um modo tão adorável quando para de limar suas unhas a ponto de me fazer dar uma risada contida, seguida pela sua mais audível e bonita e alegre.

— Eu queria mesmo fazer essa pergunta, Igith amiga. Você contou sobre seus pais; sobre Ur; sobre Bursinha... Não está faltando mais alguém? — Sugestivamente, uma de suas sobrancelhas se ergue freneticamente de maneira cômica.

Olho para ela, mordo o lábio inferior e sorrio. Depois dou de ombros antes de puxar um travesseiro e enterrar o rosto lá, sorrindo.
Meu Deus, eu sou tão patética.
Enrubeço perante a gargalhada contagiante que Yudis faz ecoar pelo quarto e quase não me derreto de vergonha quando ela diz: conta. E repete outra vez para mim.

— Minha nossa, não enche! Eu não sei do que você está falando! — Estupidamente tento fugir da conversa, mas nossa, fica impossível guardar tudo para mim quando a minha amiga da risadas e pede que eu diga tudo.

Então eu rolo o quanto posso no espaço que sobra na cama ainda com o travesseiro pressionado contra o rosto, agora deitada de barriga para cima. Quando respiro fundo, eu afasto a almofada de mim e por fim encaro a garota ainda deitada do meu lado se apoiando pelo cotolvelo.

Yudis está com o maior sorriso no rosto e me encara muito atenta.

— Primeiro tire esse sorrisinho do rosto — assumo um tom sério e começo a encarar o teto, muito envergonhada para olhar direito nos seus olhos castanhos enquanto falo. Yudis sussura um "OK" e suspiro, ansiosa. — O Querin é estranho.

— Meu Deus, que forma ruim de começar. — Yudis não se contém, ela ri e eu taco a almofada na cara dela. — Ei, desculpa, você pode continuar, juro que não atrapalho dessa vez.

Yalanci* — murmuro e ela torna rir de verdade.

— Por que diz que ele é estranho?

— Não sei... Ou sei... Olha, aquele garoto podia ter desistido de ser meu amigo depois do que contei para você. De como fui má com ele. — murmuro as últimas palavras bem baixinho, a vergonha aumenta cada vez mais. — Mas ao invés disso Querin me disse umas coisas tão legais e nossa, ainda por cima sorriu para mim depois, e aaah...

Eu cubro o rosto com as mãos, certamente corada nesse momento.

— O sorriso dele é lindo, não é?

Marcas do Passado [✓]Where stories live. Discover now