028: Novas perspectivas

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Estámos dirigindo sem rumo faz pouco mais de quinze minutos. Não acho ruim porque eu e Querin não paramos de falar desde que saímos da academia. Ele perguntou se gostei do lugar e a minha resposta foi que sim, adorei. Falamos sobre quando irei começar a treinar por lá e não chegamos a nenhuma conclusão até então. Decidimos deixar o assunto para depois e começamos a falar sobre coisas aleatórias e ao nos apercebermos, era de comida que discutíamos.

Eu disse que era mais do time doces e ele falou que prefere os salgados. Mas então descobrimos que seu doce favorito era o meu também e o meu salgado favorito era o seu. Estava sendo muito divertido até começarmos a sentir fome e seguimos a um restaurante de comida rápida e pedimos tudo para levar. Ele comprou kebab e água para a gente. E outra vez dentro do carro pensamos que seria melhor arrumar um lugar ao ar livre para não sujar o veículo com sobras de comida.

— Um lugar onde nunca foi, mas que sempre sonhou conhecer? — Ele perguntou para mim em algum momento. Eu sorri para ele e lhe disse onde era.

[...]

Eu o fiz dirigir por quase quatro horas e com o tanto que a gente falava pareceram ser menos de duas. Sempre desejei conhecer Capadócia, o Göreme Open Air Museum, na cidade de Gomere em especial. Região na qual se encontram as inconfundíveis Chaminés de Fadas e o Vale dos Pombos.

Conseguimos pagar para ter acesso do Koza Cave Hotel, um dos hotéis localizados em uma área mais alta, tal que garante uma vista esplêndida dos balões de ar quente a partir do extenso terraço feito a pedra de igual modo a todas as estruturas do local. Apesar de ser Terça-feira, o hotel está repleto de visitantes, dos locais aos estrangeiros, todos dispostos a apreciar essa bela vista e a sensação do sol das quatro da tarde incidindo sob a pele ao passo que uma leve brisa acaricia nossas faces.

Estamos sentados entre almofadas espalhadas pelo tapete indiano sob os nossos traseiros conforme comemos e apreciamos balões de ar se juntarem a outros lá no céu, em contrapartida, mais adiante de nós na vedação do terraço, um casal de jovens faz fotos diferentes da bela imagem que a natureza nos apresenta hoje.

— Nossa, isso é incrível — eu comento antes de morder um pedaço delicioso de kebab. — Hmmm... Isso também é muito incrível. — Cubro a boca cheia com a mão ao falar, me referindo a comida. Querin concorda.

— Sim, me arrisco a dizer que é o melhor Kebab que já provei depois do da minha mãe. Ela era incrível na cozinha, tanto quanto a senhora Yamenet.

Balanço a cabeça positivamente. Como pude me esquecer das gostosuras que minha avó prepara?

Mordo mais um pedaço dessa maravilha, mas agora, mastigo mais lento quando me apercebo de que ele falou da sua mãe. Querin não é alguém que fala muito de si e nem mesmo da sua família. Embora ele não aparente se incomodar tanto com o assunto — tendo em consideração que quando tocamos nisso pela primeira vez ele falou da forma mais sucinta possível —, ainda há vezes que penso que ele foi vazio demais em suas palavras. E eu não julgo. Se fosse comigo, ninguém ouviria sequer uma palavra sair da minha boca sobre uma coisa dessas.

E me sinto uma hipócrita quando vou contra esse pensamento e pergunto muito hesitante:

— Querin? — Ele me olha no mesmo instante e é como se me lesse. Como se soubesse exatamente o que vem a seguir. Ele assente e me permite dar continuidade. — Você se sente incomodado em falar da sua família?

O garoto morde um pedaço do seu lanche consoante dá a impressão de estar pensando em uma resposta cautelosa. De seguida guarda o que comia dentro da sacola marrom e após tomar um pouco de água, me encara novamente.
Aquele olhar, aquele que eu vi nos primeiros dias, naquela cozinha, ele volta a aparecer, e me faz sentir culpada por ter tocado no assunto. Esse que o faz criar uma barreira invisível entre nós em momentos assim.

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