013: Um momento de felicidade

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Nunca, jamais, fui tão feliz em minha vida quanto no dia que se seguiu a minha conversa com os meus familiares. Tinha tido a noite mais tranquila que já tive em tempos, sem pesadelos angustiantes ou lágrimas silenciosas no meio da madrugada. Eu dormi feito uma pedra. Mas uma pedra muito tranquila.

Pela manhã todos estávamos reunidos em volta da mesa sem aquela tensão desconfortável habitual nos envolvendo, de fato foi maravilhoso poder sorrir para eles e ouvir com vontade sobre as novidades que papai trazia a cerca da sua promoção na empresa tanto como sobre a cerimônia de formatura de Ur dentro de três semanas.

Vovó Yame fez falta. Muita mesmo. E estávamos ansiosos por visitá-la e saber como estava, mas também tinha um ponto que faltava a ser resolvido.

Bursüm.

Foi muito complicado ter um diálogo com ela. Assim como cada um de nós a caçula estava magoada com a nossa situação. Bursinha não queria abrir a porta a ninguém, o medo de que tudo voltasse a ser como antes era grande, portanto Querin ter se disposto a ter uma conversa com ela minutos depois foi algo importante para nós, porque de fato teve efeitos que levaram a mais nova a aceitar ver a nossa mãe, minutos depois, a família toda.
Elas tinha conversado. Não sabemos como foi o início, mas o final... ah, sim. Mamãe e Bursinha limpavam suas lágrimas quando nós batemos a porta e entramos também.

Nos reconciliamos e ali eu descobri que nenhum deles deixou de fazer visitas a minha irmã. Nem um dia sequer.
Sou eu quem moldava ideias fixas sobre quem eles eram e faziam somente com o que tinha em mãos e entendi o quão hipócrita somos capazes de ser quando julgamos as pessoas sem conhecê-las e detestamos que nos julguem.

Assim como aquele momento nos fez entender que, apesar de começarmos a resolver nossas pendências, certas coisas não melhoravam de um segundo para o outro, pois todos desejávamos ter Bursüm ao nosso lado quando chegamos ao hospital e a minha sugestão de levá-la ao colo e verdar-lhe os olhos embora parecesse eficaz, a sua resposta foi clara e suficiente para nos por a par de como ela poderia se sentir quando emendou, a voz transpassada de um fiapo de tristeza: “Uma venda não é suficiente para acabar com o sentimento que tenho de estar lá fora, Igith. Entenda.”

E então Querin se dispos a ficar junto com ela em casa quando nos despedimos, mas foi expulso no minuto seguinte com a justificativa de que ela era capaz de esperar por nós sim e que mandassêmos  lembranças a nossa avó.
Não conversamos muito durante o trajeto de ida, mas minha nossa, foi muito bom o pouco que falamos. Meus pais ali na frente pareciam tão próximos um do outro... tão bem resolvidos que meu coração se encheu de alguma coisa que até ao momento não sei dizer o quê.

Mas eu estava feliz, muito mesmo. Queria que vovó Yame visse a nossa família sendo uma família de verdade. Que se orgulhase de mim e deles também. E bom, foi um pouco difícil convencer o doutor a permitir a entrada de todos nós de uma vez só apesar de eu ter sido a primeira a ver minha avó deitada naquela cama com o olhar fixo num ponto qualquer da janela com as cortinas abertas.

Vovó Yame estava um pouco pálida, coberta até a barriga com os lençóis brancos do hospital e excepcionalmente calma, talvez pelos cateteres que lhe passavam sangue e soro na mão direita desta vez.
Quando eu abri mais a porta ela virou com um pouco de dificuldade a cabeça, mas não parecia ruim, pelo contrário, parecia melhor do que a última vez que aqui estivera.

“Evitem muito contato” Disse o profissional antes que nos cedesse a entrada.

Eu respeitei isso, portanto apenas peguei na sua mão livre de agulha e encostei na testa pedindo a sua benção.
Minha avó abriu um pequeno sorriso para mim, mas olhava por cima do meu ombro antes de me encarar de fato, interrogativa.

Marcas do Passado [✓]Where stories live. Discover now