03: Sociedade envenenada

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Aviso de gatilho

Assédio.

Eu me encosto na parede ao lado do balcão da cozinha enquanto Yudis fala ao telefone um pouco distante de mim. Possivelmente confirmando sua presença na festa.
Digamos que minha amiga é muito popular nos lugares que frequenta, portanto sempre têm pessoas ligando para ela quando não estão ao seu redor.

O que particularmente me faz questionar sobre como ela suporta ter tanta gente por perto mesmo que, segundo o que Yudis me garante, a maior parte delas são apenas gente com quem interage. Sendo a minoria amigos de confiança.

Yudis desliga o celular, coloca-o dentro da bolsa ao lado do corpo e quando se aproxima daquele sofá eu faço careta ao constatar somente agora que tem alguém sentando ali.

O tio dela.

Gāni.

— Ei, tio Gāni — a mais nova chama em tom  calmo e cuidadoso. Ela sabe o quanto o senhor de cabelos loiros acastanhado consegue ser chato e desleixado. O que quer dizer que, é bem possível que ele recuse. Ou então pode vestir a máscara de simpatia, a qual todo mundo conhece e aprecia e nos levar sem relutância. — Pode levar a gente à festa que eu falei para você ontem?

Gāni murmura alguma coisa para ele mesmo, antes de erguer-se e estar sentado sobre o sofá. Um de seus braços desliza para a traseira do encosto quando ele encara a sobrinha com o semblante cansado e inevitavelmente olha em minha direção, encontrando o meu olhar impassível.

Ele me dá um sorriso lento e em contrapartida eu permaneço com a expressão vaga e corto nosso contato visual ao baixar o olhar até aos pés.

— Chame um táxi, Yudis. — ouço ele dizer de seguida, a voz grave irritando meus ouvidos. — É fácil achar um por aí nesse horário.

— Por favor tio, não é muito longe daqui. Só algumas quadras e você volta logo. — Ela implora com a mesma carinha que me faz ceder sempre que a mesma quer algo.

Eu ouço outro resmungo da parte do mais velho antes que ele balbucie: — Como você consegue ser chata hein, Calopsita.

Eu reviro os olhos, meus pés já começam a bater impacientes contra o chão polido aonde pisam conforme eu mordo a unha do polegar contando os minutos para sair daqui.

— Somente quando necessário. Você sabe. — Yudis devolve firme. — Vai levar a gente?

De repente, estou farta dessa conversa. Afasto o dedo da boca e encaro Yudis, disposta a acabar logo com isso.

— Yudis, podemos pegar um táxi aqui perto. As horas estão passando e o meu pai me espera antes da meia-noite. — É óbvio que não me importo com a condição do meu pai. Mas implorar por algo que podemos resolver de outro jeito...

Minha amiga me encara como se disesse que não vai demorar para convencer este homem que volta a me encarar como se fosse a primeira vez que me vê aqui hoje.

— Senhor Onur sabe que está segura aqui. — Gāni se intromete me olhando aparentemente sem expressão alguma, de modo que eu não consigo imaginar o que ele pensa no momento. No entanto, eu não digo nada e faço de tudo para não me importar com o que ele diz a seguir. — E bom te ver. Você sumiu bastante, Igith. Está grandinha já. Bonita nesse vestido.

Eu olho para Yudis e lhe lanço um olhar significativo antes de desencostar da parede e seguir até a porta, no minuto seguinte a abro.

— Quando decidir se vai de táxi ou não me encontre lá fora, Yudis. — Eu digo saindo daquele lugar por fim.

Marcas do Passado [✓]Where stories live. Discover now