030: Decisão conflitante

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Meus pais ainda não tinham chegado quando eu e os meus irmãos terminamos de preparar o jantar. Senti vontade de passar ar do lado de fora de casa e como Ur e Bursüm decidiram ir tomar um banho, eu, em contrapartida, segui até o jardim e abraçada aos meus joelhos fiquei olhando para o céu pelo que parece uma eternidade. Sem desviar o olhar nem nada, apenas focada na nebulosidade acima da minha cabeça até o som da porta traseira sendo aberta despertar minha atenção e me fazer olhar para lá.

Meu coração parece errar uma batida só de ver vovó Yame vindo em minha direção. Me agarro firmemente a esperança que ela já não está brava comigo e por essa motivo está aqui. Então me ergo prontamente e fico de frente para a mais velha que destrói minha expectativa quando sorrio para ela e ela não faz o mesmo.

Nervosa, aperto a mão uma na outra e a encaro hesitante.

- Vovó - minha voz sai instável e tenho de limpar a garganta antes de continuar, meio tensa, meio triste. - Ainda está brava comigo?

Ela tem uma vasilha de porcelana com ela, as suas favoritas, e está colhendo alguma plantinha da sua horta, só não sei identificar qual.
Minha avó ergue o olhar para mim, mas é de longe um olhar chateado ou algo assim. Beira mais ao inconformado.

- Ainda que me chateie, estou, sim, brava com você. E sabe muito bem como resolver isto. Não irei repetir, porque acredito que já pensa bastante na nossa conversa desde então.

- Eu penso... - murmuro.

- E? - Pela demora na resposta a mais velha suspira e para de colher o que agora acredito ser coentro, e olha bem fixamente para mim. - Pensamentos não valem de nada se não forem postos em ação, Igith. Fui rude com você ontem, mas foi necessário porque sei que é cabeça dura e não teria outro jeito de te fazer repensar a proposta do seu pai. É tudo pelo seu bem. Não sabe como é frustante ter ciência que não sou eu a pessoa certa para te ajudar nesse momento, tudo que posso fazer é te dar o meu apoio, e um pouco de sermão porque você precisa constantemente de um puxão de orelha.

Ela consegue roubar um sorrisinho de mim e isso parece fazer o meu dia um pouco mais feliz. Dos momentos mais significativos de hoje. No entanto vovó Yame parece falar sério quando diz não pretender trazer tudo a normalidade enquanto eu estiver nessa linha tênue entre fazer ou não a terapia. Porque assim que termina de colher o que agora penso ser salsinha e não coentro, ela acena para mim e se vai embora, me deixando isolada novamente no jardim pouco iluminado.

Volto a me sentar na grama e enterro minhas mãos ali sem me preocupar se vou sujá-las ou não.

Uma vez mais o som da porta faz meu coração palpitar, e, ansiosa, volto meu rosto para lá acreditando que é vovó Yame disposta a mudar de idéia, mas...

- Oi Igith amiga - é só Yudis com sua habitual animação que acaba de beijar meu rosto e se senta do meu lado.

- Oi... - tento soar um pouco animada, porém falho miserávelmente e minha voz sai em um sussurro arrastado. Yudis nota no mesmo instante e encosta a cabeça no meu ombro, cobrindo minha mão pousada na grama com a sua.

- O que te colocou para baixo outra vez, ein?

Sacudindo a cabeça eu digo que não foi nada, indisposta a tornar essa conversa deprimente pelos meus problemas.
Tem tudo sido triste demais, cansativo demais, pesado demais.
E, para falar a verdade, tudo que mais quero agora e estar ao menos tranquila.

Agradeço muito que minha amiga colabora e somente aproveita do silêncio junto comigo.

- O que te traz aqui a estas horas? E a tia Banu, cadê ela?

- Vim jantar aqui. Minha mãe saiu com o Ozäm, então eu não tive vontade nenhuma de cozinhar, mas sinto fome, e não quero comer besteira. Logo, qual seria a melhor solução? - Ela pergunta, mais para si do que para mim. - Ir comer na casa da minha amiga. - Diz sorridente. Entretanto, olhando com mais atenção para ela, para seus olhos, eu consigo ver a sombra de um sentimento mais triste ali, é como se Yudis estivesse apenas me respeitando quando se diz conformada com o pouco que falo sobre mim.

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