Prólogo

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Não consigo desviar meu olhar do pêndulo do relógio suspenso na parede da sala de estar. Meu pé direito bate frenético contra o tapete indiano que chegou há alguns dias quando eles voltaram de viagem. Já sinto, incômoda, a fina camada de suor cobrindo minhas mãos agarradas uma a outra sobre o vestido florido que troquei há minutos atrás.

O sofá de veludo ao qual já me sentei incontáveis vezes começa a se tornar desconfortável para mim, coisa que não deveria acontecer, pois este é o sofá mais confortável onde meu traseiro já repousou algum dia. Só que algo no meu interior pinica para que eu me levante e vá embora sem me despedir. Mas eu sei que é errado. Meus pais me instruíram assim e eu não desobedeço à eles.

Tento focar minha atenção no programa infantil que passa na tevê, no entanto não dá em nada. Ainda sinto aquele desconforto crescendo dentro de mim.

O som porta de um dos comodos da casa abrindo se ouve vindo do corredor. De início meu peito aquece de ansiedade, e assim que me volto para aquela direção, exalo com calma e solto o ar na mesma frequência.

É só ele, Igith.

Recordo a mim mesma de onde eu estou. Então abro um pequeno sorriso forçado ao vê-lo adentrar a cozinha após sinalizar que o espere mais um pouco. Continuo o observando servir seu chá, balbuciando um cântico que tornava o ambiente menos tenso. Só que minhas mãos ainda não param de suar.

Hoje não estou me sentindo em casa.

Isso me faz querer voltar a minha casa.

— Eu tenho que ir embora. — murmuro levantando meu corpo do sofá. Ele me lança um olhar de dúvida enquanto dá a volta no balcão da cozinha.

— Tão cedo?! Não vai esperar mais um pouco? — pergunta pausadamente ao bebericar um pouco do conteúdo em seu copo. Eu assinto ajeitando meu vestido mais para baixo.

— Não, chego aqui mais tarde. E mamãe pediu apenas que eu viesse deixar o bolo. Ninguém está em casa, por isso preciso voltar. — Me justifico com a voz baixa e o vejo assentir a medida em que volta para a cozinha.

— Não deviam deixar você sozinha — ele implica enquanto eu pego no meu casaco e calço os meus sapatos ao lado da porta principal. — Vem aqui, Igith.

Eu franzo a testa ainda voltada para porta. Estou um pouco cansada por ter acabado de voltar de uma aula de dança. Mas não costumo ser mal educada, por esse motivo me viro para a porta da cozinha e sigo até ele.

— Sim? — o encaro sentado em uma das cadeiras estofadas onde por vezes, eu e minha família sentamos e compartilhamos a refeição com eles. O mesmo está calmo como sempre, ainda aproveitando do seu chá.

— Não tem medo de ficar sozinha, Igith? — eu faço que não. Constantemente ficava sozinha em casa. Se tornara algo normal para mim.

— Não, sou uma menina corajosa. — Eu pontuo. Ele abre um sorriso contente. Parece ter gostado de ouvir o que eu disse. Então sorrio também, desta vez menos tensa.

— Certo — ele começa a falar ameno —, ainda assim é perigoso ficar sozinha em casa. Faça o seguinte, vá até lá e tranque a porta. Logo volte e pode esperar por sua avó aqui enquanto come bolo. Tudo bem? — questiona olhando nos meus olhos. E então, eu apenas concordo com a cabeça.

Talvez isso fosse melhor do que ficar sozinha.

Talvez isso fosse melhor do que ficar sozinha

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