010: Um passo para a mudança

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AVISO:
Este capítulo contém gatilhos.

Querin me devolve o sorriso mais simples que eu já vi nele. E não sei dizer o porquê sinto a vontade súbita de lhe agradecer além das palavras. Com um ato, algo que eu estranho e juro que tento de todas as formas afastar para mais longe de mim, porque eu sei que não sou assim.

E não quero ser.

— E como se toca esse instrumento, Bursüm? É difícil? — eu indago e desvio minha atenção tanto de Querin quanto da sensação inesperada que me acometeu. Minha irmã faz que não, se ajeita na cama e pede que lhe passe o objeto cilíndrico.

— Eu tenho um ótimo professor, o que torna tudo mais simples.

— Ah, é? — minha surpresa é cada vez mais impossível de esconder, mais ainda, o sorriso tímido que faz a curva nos meus lábios quando encaro o citado escorado na borda da escrivaninha da mais nova. — Então me mostre o que aprendeu.

Bursinha sorri, muito, mais muito animada. Mais do que já a vi em qualquer época da minha vida.

— Bom, será um prazer tocar para mais alguém. — a garota declara e fita o mais velho, a flauta a uma polegada dos lábios prestes a ser usada. — Professor me note, me avalie e se orgulhe de mim.

Eu e o garoto trocamos olhares quase cúmplices que nos fazem dar risada das palavras da mais nova. Depois, nos concentramos no modo que ela posiciona seus dedos na flauta e sopra ar suavemente, iniciando uma melodia bastante calma, penetrante e relaxante.
Estou surpresa que minha irmã tenha talento para isso, porque a primeira impressão que tenho é que tocar esse instrumento é algo fácil, até chegar a conclusão de que é necessário a prática também.

Bursüm não tem pressa em se apresentar para mim. Ela flui na melodia e se envolve com o que faz tanto quanto eu me entrego ao som e me permito apreciar o que vejo, o que sinto.
Minha irmã dedica tanto de si nesse simples ato que sinto falta da música quando ela por fim finaliza, deixa a flauta no colo e sorri timidamente para nós, parecendo tão orgulhosa de si como Querin demonstra estar.

Eu não consigo agir diferente. Abro um sorriso lento, emocionado.

— Minha nossa, que incrível Bursüm. Você tem talento para coisa, baixinha.

A mais nova se encolhe um pouco sem deixar de sorrir, depois, encara o garoto próximo de nós e torna a afirmar, visivelmente agradecida.

— Eu disse, o professor ajuda muito. — confessa baixinho. — Querin é uma pessoa incrível.

— Você é uma mocinha dedicada, isso também ajuda bastante. Sua dedicação é cativante e merece receber os parabéns.

Acho engraçado que as bochechas de Bursinha adquirem um tom avermelhado e mesmo assim ela não parece desconfortável com ele.
É estranho que eu não pareço desconfortável com ele.

Eu encolho os ombros a relação deles quando estão conversando. Parecem tão íntimos, tão próximos um do outro que me sinto perdida aqui.
Na verdade: eu me sinto perdida em todo lugar.
Mas admiro que minha irmã consiga se sentir a vontade junto desse garoto que agora faz parte da casa.

— Vocês dois... — eu sussurro em um dos momentos que ambos riam de alguma coisa. — Vocês conversam tão bem que eu nem sei o que dizer.

Bursinha dá uma risada curta, porém muito cômica.

— Não precisa sentir ciúmes, maninha. Você pode pedir aulas particulares para ele, tenho a certeza que o Erin aceitaria. — Ela pondera, a mão encobrindo o sorriso travesso que faz curvar seus lábios rosados.

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