023: A luz que eu não enxergava

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Estamos em uma mesa com quatro jovens sentados ao redor dela onde claramente dois deles estão brigados ou coisa parecida. É visível que desde a partida de nossos pais Yudis e Ur estão demasiado indiferentes um com o outro para que eu não compreenda que qualquer coisa que tenha feito minha amiga ficar brava, o meu irmão está envolvido.

Enquanto a gente conversa com Ur, Yudis finge nem estar presente e o mesmo acontece quando se trata do meu irmão. E para mim isso é a coisa mais insuportável do mundo. Detesto que eles pareçam gato e rato sendo que são tão bons amigos.

Decido primeiro terminar a minha segunda taça de champanhe, só então me ajeito na cadeira e encaro os ditos cujos antes de puxar levemente a manga do paletó do Querin a fim de chamar a sua atenção.

— Ei — ele se volta para mim e toma um pouco da sua bebida, depois assente de maneira sútil como quem diz que posso prosseguir. — O que aconteceu com eles? 

Querin olha para eles afastando a borda da taça com suco da boca, os analisa um pouco e logo torna a me olhar.

— Brigaram mais cedo. — Diz ele, se recostando no encosto do seu assento. Deixa o copo sobre a mesa antes de continuar baixinho. — Na verdade, Yudis brigou com Ur por umas garotas que estavam atrapalhando a conversa deles a cada cinco minutos. Isso a estava irritando e até certo ponto ela já não suportava ser trocada por outras que somente queriam uma fotografia com o teu irmão. E bom, agora vai umas quatro horas que eles estão nisso.

Eu sufoco uma risadinha. Yudis com ciúmes do Ur é algo que eu certamente pagaria para ver. Mas de qualquer forma estou vendo sem precisar pagar por nada, pois olhando para ambos e sabendo da história, é meio cômico e estranho. 
Não imagino eles dois juntos. Como também não gosto de os ver separados. Minha amiga não faz o tipo que fica brava por qualquer coisa, e quando fica, é nisso que dá: uma garota extremamente calada e retraída. 

Já o meu irmão, poucas vezes o vi calado ou coisa assim. Geralmente Ur está fazendo piadas sem graça e implicando com alguém. Tenho conhecimento de que não sei muito dele, mas de uma coisa tenho certeza, Ur não está a vontade com essa situação apesar do seu orgulho falar muito mais alto de vez em quando.

E como não estou disposta a passar a minha primeira noite fora de casa com dois adolescentes brigados, eu resolvo intervir nesse problema de uma vez por todas.

— Vão agir feito desconhecido um do outro até quando? — E como se não soubessem que é deles que falo, Yudis continua mexendo na mesma taça de champanhe como se avaliasse o conteúdo enquanto Ur brinca com o bracelete em volta do seu pulso. — Por favor, os dois?!

Então ambos me olham de cara fechada. E nesse momento acredito que se olhos lançassem flexas, eu já teria sido acertada em cheio e a dor seria bem maior que a ardência que sinto no braço esquerdo agora.

— Que foi? — Ambos perguntam, então se entre olham por breves segundos antes de voltarem a me encarar. 

— O que houve com vocês?

— Nada — e novamente acontece a fala em uníssono, o que parece deixar Yudis irada.

— Para de dizer o que eu digo! — Minha amiga reclama.

— Ah, mas é você quem está me imitando senhorita Yudis. — E Ur rebate.

— Nossa, como você está insuportável hoje. Vai lá fazer mais fotos com as suas amiguinhas. Vai, Ur.

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