14

5 2 0
                                    

—– Na casa dos avós, Sarah, é sério? —  David disse logo após bater a porta.

—– Sim, não deu tempo de inventar algo melhor — Ela disse atordoada.

—– Algo melhor? Disse para aquele cara estranho que o menino é nosso filho legítimo.

—– E não é? nós o adotamos,  e ele será parte de nossas vidas pra sempre, então...

David começou andar de um lado para o outro, aflito, enquanto Kevin o acompanhava com olhos, em silêncio.

—– Por quanto tempo vamos sustentar essa mentira — David cochichou — Os vizinhos vão começar desconfiar. Ele olhou para esposa, e ela passou a mão no cabelo impaciente.

—– Que seja, desde que parem com as perguntas, e aliás o mal já está feito o que mais podemos fazer.

—– Contar a verdade.

—– Não podemos sair por aí...

Sarah olhou para Kevin por um instante e notou que ele estava prestando atenção na conversa.

—– Filho, desculpe por isso, mas por que você não sobe e vai brincar com os novos brinquedos que compramos pra você em?

Kevin sorriu apesar de estar curioso e subiu as escadas correndo.

—– Não podemos sair por aí dizendo
que adotamos uma criança — Ela sussurrou —  Vão achar que somos pais inaptos.

—– Bom, não é pior que mentirosos.

—– Sabe como me olham na rua, como se eu fosse uma desqualificada que além de não trabalhar, não consegue ter filhos, o único sentido de uma mulher, todo mundo aqui tem uma família, David...


—– Então adotou o Kevin para...

—– Não se atreva terminar essa frase, eu adotei o Kevin, por amor — Completou com lágrimas nos olhos — Jamais colocaria os meus interesses acima do meu filho,  eu o amo.

—– Desculpa, meu amor, é só que... — Suspirou fundo — Só que eu acho um absurdo você querer se encaixar nessa vizinhança de merda, com essas pessoas egocêntricas e esnobes, somos uma família, não importa como queremos ser, e é bom que todo mundo saiba da verdade.

Sarah pensou por um tempo.

—– Você tem razão — Ela assentiu ao marido que respirou aliviado

Os dois se abraçaram.

—– Kevin é nosso filho do coração, e sempre será,  não importa como as outras pessoas vão enxergar isso — Ela soltou confusa.

Enquanto isso, Kevin se esforçava para entender qual era o lugar dele no meio disso tudo, ele sabia que aquela vida não pertencia a ele, muito menos aquele quarto com aqueles brinquedos dos quais ele nunca pensara em ter antes.  Para ele, tudo não passava de um sonho que uma hora ou outra ele iria acordar.

Ele sabia também que naquela altura a sua mãe não viria mais  buscá-lo, e que  aos poucos o rosto dela iria se desfazer em sua memória, o que fazia com que ele esbolçasse cada vez mais a face dela em uma folha de papel, com medo de que se esquecesse dela completamente.

Toc toc .

Ele virou o rosto e viu que Sarah estava parada em sua porta,com um enorme sorriso.

—– Eu...posso entrar?

Kevin escondeu rapidamente as folhas de papel.

—– O que estava fazendo? — Ela se aproximou dele com um olhar curioso.

—– Desenhos.

—– Posso ver? Amo os seus desenhos.

—– Ainda não estão prontos.

—– Não importa,  tudo o que faz é esplêndido, é um excelente artista, mesmo com tão pouca idade.

Assim que Sarah estendeu a mão, Kevin a surpreendeu com um tapa.

—– Eu disse que não estão prontos —  Ele gritou com um olhar frio e direto, que assustou, Sarah, que esfregava o pulso sem entender.

Ele, sem nenhum remorso, recolheu as folhas de papel e as guardou debaixo do colchão de sua cama.

Sarah até pensou em deixar isso passar como das outras vezes, mas sabia que aquele comportamento de Kevin já havia passado dos limites,  e ela como mãe deveria educá-lo.


—– Escuta aqui —  Ela o agarrou pelo braço — Você não pode me bater e achar que as coisas vão ficar assim,eu sou a sua mãe, entendeu? e é bom você começar a me respeitar.

Sarah tentou manter firme suas palavras,  mas a expressão de medo no rosto do garoto, fez com que ela se arrependesse.

—– Desculpa,  Kevin —  Soltou o garoto e passou a mão na testa, atordoada. Mas é que eu não posso ser sempre uma mãe boa e cuidadosa,  também tem limites que eu devo impor para que as coisas não saiam do controle, entende?

Ela alisou o rosto macio do garoto.

—– Eu sempre vou dar o meu melhor pra você, você é a melhor coisa que já me aconteceu — Sorriu as palavras.

Kevin gostava da parte boa de Sarah, mas a parte ruim dela fazia ele reviver coisas terríveis do seu passado que provocava dentro dele uma espécie de raiva contida,  e ele por ser pequeno e não compreender direito acabava se entregando à frustração.

Mas o abraço e o carinho de sua mãe adotiva  parecia ter amenizado esse sentimento por enquanto. Fazendo com que aquele noite não fosse tão agitada quanto costumava ser.

O Garoto do Lago ( Conto)Where stories live. Discover now