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Tão abalado quanto Sarah estava Lian isolado em sua casa a mercê dos seus pensamentos perversos. Pois a vida nem sempre tem sido fácil para ele. Desde de pequeno ele já conhecia a violência, e aprendeu que era com ela que se resolvia as coisas, na escola sempre foi o garoto quieto, mas sempre quando alguém ameaçava a sua integridade, ele partia pra cima sem nenhum ressentimento. Sentia muita raiva de tudo e de todos, e nunca soube como lidar com isso.

Ele perdeu a mãe muito cedo vítima de violência doméstica, e viu o pai ser algemado e levado diante dos seus olhos. Desde então aprendeu a se cuidar sozinho, ele nunca teve um amor de uma mulher, nunca aprendeu a amar uma de verdade, exceto por Sarah, quem ele sentia algo diferente, que jamais sentiu, ele a amava, e mesmo não conseguindo demostrar, estava na cara o quanto ele estava sofrendo com a ausência dela e da filha. Mas ele entendia que ela precisava de um tempo para processar toda aquela tragédia, embora do jeito dela.

Lian sempre fora impotente ao sofrimento alheio, sempre quando ele ver alguém sofrendo, a tendência é se afastar.

E mesmo assim era inútil tentar, Sarah não queria vê-lo, estava destruída pela morte do marido. E Lian se sentia mal ao vê la se arrastando por aí sem ter forças para se reerguer. Ele sentia falta da Sarah cheia de vida e sorridente que amava sua companhia, que sempre ia visitá-lo, e reclamar da bagunça da casa, do desleixo dele. Era uma tortura para ele não poder está perto dela.

E não poder fazer nada para ajudar.

À tarde ele ouviu umas batidas na porta e quando abriu viu que era o Kevin.

—– Trouxe alguns filmes pra gente assistir juntos? — O garoto passou por ele, e se sentou próximo a televisão.

—– A sua mãe sabe que está aqui? —Lian fechou a porta.

—– Não, eu matei aula pra poder vir pra cá — O garoto disse despreocupado, pegando o controle.

—– Kevin, isso não se faz, ela vai ficar preocupada, eu vou ligar pra ela — Lian  Disse pegando o telefone.

—– É melhor não, olha, se quiser eu vou embora, mas não liga para minha mãe, por favor

Lian largou o telefone, e resolveu aceitar a companhia do garoto, até porque ele sabia como era se sentir sozinho. E ele não confessava, mas sentia falta do garoto torrando a sua paciência.

—– Tá legal, mas você tem que estar em casa antes das cinco.

—– Está bem — O garoto concordou  desanimado.

Lian vasculhou os filmes, e não gostou muito do que viu, havia muito conteúdo sobre violência e nudez.

—– Onde conseguiu esses filmes? — Ele encarou o menino um pouco nervoso.

—– Com o mesmo camelô do outro dia...

Lian se levantou imediatamente e pegou sua típica jaqueta de couro.

—– Vem comigo, vou trocar uma ideia com esse camelô...

O garoto desligou a tv e  o acompanhou.

Assim que Lian parou o carro, avistou o camelô entregando o mesmo material para outro garoto.

—– Espera aqui, e dessa vez vê se me obedece.

Kevin assentiu. Lian desceu do carro e
se aproximou do velho com visual retrô, que estava sentado atrás do balcão contando algumas notas.

Assim que percebeu a presença de Lian, ele guardou as notas e o encarou.

—– Posso ajudá-lo...

Sem esperar o senhor terminar de falar, Lian avançou sobre a gola da camisa dele.

—– Você não tem vergonha de ficar vendendo esse tipo de material para um garoto de nove anos.

—– Que garoto, não sei do que está falando?

—– Ah, você não sabe...

Lian tirou um canivete do bolso e apertou contra o pescoço do cara, o deixando completamente assustado.

—– Espera, espera...

Ele soltou o senhor, antes que a raiva o fizesse fazer coisas piores com ele.

—– Tem um garoto sim, mas não sou eu que vendo esse tipo de material pra ele, e sim ele que trás pra mim, eu dou um trocado pra ele, e ele vai embora, eu  não sei  onde ele consegue essas coisas, mas eu juro o meu único erro foi não contar isso pra ninguém..

—– Ah, conta outra.

—– É sério.

—– Olha, é melhor você não vender mais nenhum filme para nenhuma criança ou mato você, estamos entendidos?

—– Sim.

—– Sim, o que?

—– Sim, senhor.

Lian deixou a barraca do pobre velho, e caminhou até o carro um pouco pensativo.

Será que aquele homem estava dizendo a verdade?

—– O que ele disse? — Kevin o encarou curioso.

—– Nada, vamos para casa — Lian ligou o carro.

O trajeto de carro foi silencioso. Mas a cabeça de Lian estava a ponto de explodir de tanta informação. Ele não sabia mais em quem acreditar, um hora aquele garoto era inofensivo, outra hora era uma ameaça, sua mente estava confusa.

—– Você sabe o que aconteceu com o meu pai?

Lian não respondeu com medo de que sua frustração o entregasse.

—– Minha mãe, está muito triste, sabia?

—– Pronto, pode descer e ir para sua casa — Lian parou o carro já impaciente com as perguntas do garoto.

—– Pensei que a gente ia terminar de ver os filmes.

—– Não são filmes para crianças, e quero que você me traga todos esses dvds pra mim..

—– O homem que vendeu disse que era

Lian olhou para garoto através do espelho, ele estava sentado no banco de trás do carro e havia uma certa ironia em seu semblante. Lian pensou que talvez aquele velho tinha razão.

E se esse garoto não for tão inocente quanto aparenta ser?

—– Desce.

Depois que o garoto desceu do carro, ele o encarou  uma última vez, e estranhou o fato de alguém tão pequeno ter gostos tão perturbadores.

O Garoto do Lago ( Conto)Where stories live. Discover now