𝐊𝐀𝐋𝐋𝐈𝐀𝐒, acotar

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O dia estava lindo e tudo o que eu queria era patinar no gelo, mal me lembrando da última vez que tinha pegado em meus patins. Quando era pequena, eu passava todas as minhas tardes deslizando sobre os lagos congelados da Corte Invernal. Havia um lugar especial e eu gostava muito de ir lá, era o meu cantinho secreto. Sempre que estava triste, ou até mesmo feliz, era para lá que eu ia. Se o meu dia estava ruim, sabia onde poderia me refugiar.

O lugar ficava um pouco escondido, acabei encontrando-o por acaso quando ainda era criança, já que sempre fui muito curiosa. Minha primeira experiência lá foi encantadora, nunca tinha visto algo como aquilo. As árvores eram brancas, não como as outras, que só eram cobertas de neve, essas eram literalmente brancas. As folhas e flores tinham um formato peculiar, mas ao mesmo tempo muito bonito. A entrada era circular e pequena, e também haviam alguns arabescos de gelo ao redor daquele arco, que, se observados de longe, lembravam cristais.

Por dentro era ainda mais bonito, dava para ver o céu e os flocos de neve que caíam lentamente até chegar ao chão. Era uma cachoeira congelada, as pedras brancas levemente azuladas que ficavam ao redor da cascata de água petrificada, também pareciam cristais. Tudo ali parecia ser mágico e era um espaço muito bom para patinação. Poucos feéricos sabiam sobre ele, pois ninguém tinha paciência e coragem para entrar tão fundo na floresta.

Após chegar lá, coloco meus patins enquanto observo as lâminas de aço, que estavam praticamente intactas devido ao pouco uso. Apesar de ter ido lá há três anos atrás, o lugar continuava exatamente como eu me lembrava, tudo permanecia em seu devido lugar. Deslizo pelo gelo, iniciando a patinação com movimentos lentos e calmos, não queria me machucar, já que haviam se passado alguns anos desde a última vez que tinha patinado.

Após longos minutos, a confiança cresceu em meu peito, fazendo com que eu arriscasse alguns saltos, e o meu cabelo flutuava atrás de mim a cada impulso. Depois de algum tempo, sinto meu corpo cansar, então decido apenas deslizar em círculos. Não sabia há quanto tempo estava ali, mas o céu já começava a escurecer. Paro no centro do gelo assim que a neve volta a cair, ficando de costas para a entrada.

— Sabia que te encontraria aqui — me viro, encontrando Kallias parado ali.

O grão-senhor se aproxima, deslizando pelo gelo com os próprios patins. Assim que estamos de frente um para o outro, Kallias coloca as mãos em minha cintura. Aproveito a situação para jogar meus braços sobre ele também, circulando sua nuca. Nossos rostos estavam muito próximos.

— Por que não me avisou que viria para cá? — Pergunta, levemente confuso.

— Você estava em uma reunião, não queria te atrapalhar. — Deposito um beijo rápido em sua bochecha. — Apenas aproveitei o tempinho livre e vim para cá.

— Você sabe que nunca me atrapalha, e eu sinto muito por te dar tantas designações. — Junta nossos lábios em um beijo simples.

— Faz parte, não é? Sou parceira de um grão-senhor, sempre terei responsabilidades.

— Obrigado por continuar me amando, mesmo depois desses 50 anos conturbados. — Ele leva uma mão ao meu rosto, retirando alguns fios de cabelo que insistiam em cair sobre os meus olhos. — Você é linda.

— Já me disse isso hoje, e ontem também, você me diz isso sempre, de sete a oito vezes por dia, se não me engano.

Ele ri do meu comentário, aproximando seu corpo do meu. Kallias segura meu rosto com uma das mãos e inicia um beijo demorado. Eu sabia que, depois de 50 anos preso sob a montanha, ele sentia minha falta.

— Continuarei dizendo isso até o fim da minha vida, aqueles 50 anos foram os piores de toda a minha existência, tudo o que eu mais queria era ver você de novo, mesmo que fosse pela última vez, não queria morrer lá sem te dizer o quanto você é especial e, pelo Caldeirão, eu sou muito sortudo por ser parceiro da fêmea mais linda de toda Prythian.

Seguro a mão dele, puxando-o comigo. Deslizamos pelo chão congelado, a neve caía sobre nós e nossos corpos dançavam no ar. Kallias me segurou pela cintura, me levantando para realizar piruetas no ar, o tempo todo deixando marcas circulares no gelo, causadas pelos giros. Em seguida, ele me leva ao chão novamente. Kallias encosta a testa na minha, ambos com a respiração acelerada. Ficamos um tempo parados, somente nos abraçando e aproveitando a presença um do outro.

— Kallias? — Chamo por ele, minha voz saindo sussurrada.

— Oi? — Responde, usando o mesmo tom que o meu.

— Eu queria te fazer uma surpresa, mas acredito que esse seja o momento perfeito para a notícia.

Ele se soltou do abraço e me olhou nos olhos, esperando pelas minhas próximas palavras e parecendo ansioso. Um vento frio soprou ao nosso redor, jogando mais flocos de neve em nossas roupas escuras.

— Não estava me sentindo muito bem e chamei uma curandeira para avaliar o meu estado. — Ele começou a ficar inquieto, mas apenas o ignorei. — Ela me deu a melhor notícia que eu poderia receber — sorrio para ele, antes de continuar. — Eu estou grávida.

O sorriso largo que ele deu fez o meu coração bater mais rápido, eu amava vê-lo sorrir. Kallias me girou no ar e uma lágrima solitária deslizou por sua pele branca, o que foi um pouco inédito, já que ele raramente demonstrava sentimentos assim. Levo um dedo ao rosto dele, limpando a lágrima.

— Obrigado por me ajudar a formar a família que eu sempre quis ter.

Cinco anos após o nascimento da pequena Sybella, Kallias e eu a levamos até aquele lugar especial pela primeira vez. A garotinha ficou encantada, me fazendo lembrar da primeira vez que coloquei os pés lá, já que a reação foi praticamente idêntica.

Com o passar dos meses, ela começou a ir até lá sozinha, assim como eu fazia, e isso me deixou de cabelo em pé por um tempo, mas acabei me acostumando, pois ela tinha o meu sangue e os meus pais passaram pela mesma situação quando eu tinha a mesma idade.

— Mamãe, vem aqui, patine comigo e com o papai. — A garotinha de cabelos brancos chama por mim.

Me levanto, indo até eles e me juntando à patinação. Me sentia grata por ter ido mais a fundo na floresta e encontrado a cachoeira, pois foi ali que as melhores memórias da minha vida aconteceram.

𝐈𝐌𝐀𝐆𝐈𝐍𝐄𝐒, universo literário [EM REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora