Oslo, 3 de Dezembro de 1988.
Olá Melina,
É Alex, sua querida e amada irmã. Recebi sua carta hoje, mal terminei de ler e já estou te escrevendo de volta, enviarei essa carta para a casa de Agneta já que papai e mamãe não querem você conversando comigo, tenho certeza que se mandar algo para você, eles tocarão fogo. Tentei falar contigo essa semana, liguei várias vezes, mas você parecia nunca estar em casa e quando estava, eles não me deixavam falar com você. Acho que é a primeira vez que escrevo algo para alguém da família desde que cheguei aqui, é mais fácil falar com vocês pelo telefone, mas eu prefiro contar tudo por carta.
Baseada no que li na sua carta eu acho que eles não te contaram o que está acontecendo: Eles querem que eu volte para a Suécia. Estão me ligando feito malucos, todos os dias, de hora em hora, até para casa dos outros - precisei pedir que não ligassem para a fazenda dos Stubberud, eles não tem nada a ver com isso (pelo menos isso eles respeitaram). Eu não entendo o porquê e nem eles quiseram me explicar, apenas um dia me ligaram falando que eu tinha que voltar e quando eu disse que não queria voltar sem um motivo lógico, eles surtaram comigo. Acredito que por causa de tudo isso, não a verei no Natal, me desculpe Meli, mas eu espero que você entenda toda a situação e o motivo para eu não ir.
Em relação a mim, estou bem. Estou tomando meus remédios como os médicos prescreveram, todos os dias ao acordar e antes de dormir, consegui atendimento psiquiátrico no hospital próximo a minha casa e vou toda semana para as consultas. Aparentemente meu humor tem se estabilizado nos últimos meses, não tive mais crises, eu dormindo bem e comendo melhor ainda, acredito que logo logo isso tudo não será mais um problema.
O dinheiro que eles me enviam todo mês não está mais sendo suficiente, então arrumei um emprego num mercado próximo, meu patrão é um saco, mas pelo menos tenho desconto na comida. Como não precisamos mais ir para Vestby ensaiar por causa do inverno - há mais pessoas morando lá agora, eles vivem reclamando do barulho e está muito frio para nos enfiarmos num galinheiro sem aquecimento -, não tenho muitos problemas com horário, a casa de Øystein é relativamente próxima, então eu saio do trabalho e vou ensaiar lá. Está sendo uma vida bem tranquila, mesmo que façamos música sobre sacrifícios e Satanás.
Minha casa agora está apresentável depois de meses morando no meio de um amontoado de caixas, meu médico me recomendou arrumar minhas coisas e eu fiz. Mesmo que não haja muito, tenho alguns móveis novos, lugar quente para dormir e pratos bonitos. Então, se vier me ver, terá um sofá novinho para dormir, ou se quiser se arriscar um pouco, os meninos acharam uma poltrona na rua uns meses atrás e trouxeram para cá, eu já devo ter lavado essa coisa mais de 5 vezes, tirei os bichos que moravam dentro dela mas não consegui me livrar uma mancha escura que ela tem, não sei o porquê mantive isso aqui, talvez, em algum dia de raiva, eu toque fogo nisso (estou brincando).
Por falar nos meninos, é bem triste que não tenha tido a oportunidade de conhecê-los quando estava aqui, eles são "adoráveis" no jeito deles. Estou juntando dinheiro para comprar alguns presentes para eles de Natal, eu vi uma camisa escrito "I Love Transylvania" em uma loja ao caminho do trabalho, eu tive que comprar para Pelle, ele ama essas coisas mais que tudo no mundo.
Não sei se te falei sobre Pelle, ele é uma pessoa incrível mas com muitos problemas. Ele não me conta muito sobre essas coisas, talvez porque eu também não fale dos meus problemas. Ele lembra um pouco Nils, talvez você não se lembre dele, Nils foi o cara que eu namorei que se mudou para os Estados Unidos, tentei enviar cartas para ele, mas não tenho seu novo endereço, a única coisa que sei é que mora em Seattle, talvez ele tenha se assustado com tudo que fiz e decidiu não manter contato. Mas enfim, Pelle é mais alto que Nils e tem a voz grossa, mas a personalidade é bem diferente, Pelle gosta de me ouvir e ele fala bastante comigo, Nils parecia querer que eu fosse muda.
Ele sempre me olha como se eu fosse de outro planeta, mas isso não é ruim, eu me sinto especial. Quando dormíamos na fazenda, as vezes eu cantava para ele dormir, já quando eu não conseguia dormir, nós saímos de fininho para o bosque e ficávamos conversando até o sono viesse.
Eu não sei o que sinto por ele, talvez eu esteja apaixonada, sabe? Mas pode ser que eu esteja confundindo as coisas, ele muito gentil comigo, mas deve ser porque sou sua amiga, não é? E ele é muito bonito, sempre vejo as garotas olhando para ele, mas ele não conversa muito com elas porque é tímido. Você deveria ter visto, uma garota alta, ruiva, com os olhos que pareciam mel, ela estava caidinha por ele, eu não fiquei na festa para ver o resultado, me senti mal vendo aquilo.
Mas tive meus momentos com ele também, há uns dois meses mais ou menos, quando papai e mamãe começaram a insistir que eu voltasse, Pelle me beijou. Ok, não foi um beijo de cinema como aqueles que víamos nos filmes da tarde, mas estávamos só nós dois, e ele me deu um selinho. Quando Jørn apareceu, ele se afastou todo assustado de mim, até parecia com vergonha.
Eu adoro mergulhar nos olhos dele, eu adoro ignorar a casca que ele criou e ver o seu íntimo. Ele me fez perceber que não a única estranha no mundo, ele enxerga as coisas de uma forma tão distante do que realmente é que eu não sei se ele está acordado ou sonhando, isso que eu adoro nele. Ele é tão confuso quanto eu, ele me olha como se eu entendesse perfeitamente o que ele fala, mesmo que eu não entenda, ele parece se sentir da mesma forma que eu. Eu gosto do olhar dele, o olhar como se eu não fosse real, o olhar de quem viu algo incrível mas que só ele pode ver. Não que eu seja algo incrível, mas eu deixei ele me ver de um jeito que ninguém conseguiu ver antes.
Acho que estou sonhando muito alto.
Enfim, logo logo preciso ir trabalhar, me mande mais cartas com novidades! Até mais.
Alex Dahl (ou Ghos⸸)
PS.: Se poder conseguir uma cópia da minha ficha médica eu agradeceria, tentei pedir para mamãe mas ela mandou eu voltar para Suécia para buscar.
PS 2.: Não deixe eles descobrirem meu endereço e por favor não fale para eles.

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QUARTZ EYES, per ohlin (PT-BR)
RomanceAlex Dahl buscava no Black Metal uma forma de expressar o caos e dor que carregava consigo, a oportunidade surgiu através de uma banda norueguesa chamada Mayhem, mas ela não esperava que fosse achar seu lugar no mundo junto daquelas três almas desaj...