19

319 41 0
                                    

Acordei na cama com lençóis de seda branca, no meu quarto da boate. Aguardei deitada durante um tempo, esperando que pudesse me orientar.
Que dia da semana era? Eu estava perdida no tempo.
Escutei um som de batida rítmica vindo de lá de baixo.
Acho que a Apófis estava aberta ao público.
Abri um trecho da porta para confirmar, e pelo visto era isso mesmo. Alguma hora eu precisaria arrumar um telefone que tivesse sinal, e ligasse para saber de Kayla, vovó e Joshua. Decidi ir atrás de Andy para ver se ele me emprestaria o seu celular, ou se tinha algum telefone fixo por aqui. Como é provável que ele esteja lá em baixo, decidi tomar um banho e me arrumar.
Fiz um coque no topo da cabeça bem apertado, deixando uns dois fios cacheados de cabelo cairem ao lado do meu rosto.  Apliquei um pouco de maquiagem e perfume. Abri o armário. Encontrei um top de paetê dourado e uma saia de couro preta. Finalizei o visual com botas pretas de cano médio. 
Me vi em um espelho. Estava espantada em como eu havia mudado. O que tinha acontecido a Jade anterior? Pensando bem, até que eu gostava dessa nova versão.
Fechei a porta atrás de mim, e fui a procura de Andy.
O terceiro ambiente estava caótico como sempre. Vários casais estavam fazendo o que quer que eles faziam dentro dos espaços reservados. Passei direto sem olhar muito para o que eles estavam fazendo. Um grupo de pessoas estavam observando uma mulher fazendo sexo oral em outra. Só registrei a boca aberta em um som de prazer mudo daquela que recebia o afeto.
Aquilo me remetia a lembrança de um sonho bem maluco.
Encontrei Andy no segundo ambiente, conversando com um cara no bar de Elish.
- Oi.
- Boa noite srta Jade. Como foi sua noite de sono? - Ele nunca iria deixar de ser lindo? Que irritação.
- Eu dormi relativamente bem.  Só tive um...sonho bem esquisito.
- Que coisa mais peculiar, não é? - Ele estava com uma sobrancelha levantada, sorrindo o maldito sorriso de canto. - Aproveite a boate hoje, srta Jade. Daqui a pouco Rosa Negra vai subir ao palco.
- Sério?! Ah, eu não acredito! É a melhor banda do mundo, com certeza.

Ele estava de muito bom humor essa noite. - Andy, você poderia me emprestar o seu celular?
- E para que? - Ele estava um pouco surpreso com o pedido.
- Preciso fazer umas ligações. O meu celular está sem sinal desde que entrei aqui.
- Para quem você vai ligar? Não se esqueça que tem inimigos meus querendo te fazer mal.
- Só para minha avó e para a mãe de Kayla.
- Hm. Quer saber um segredo? - Me perguntou ele, enigmático.
- O que é? - Quis saber como uma boa curiosa que sou.
- Aqui realmente não tem sinal, mas quer saber qual o único lugar da boate que o telefone funciona?
- Sério?! Qual é?
- No meu escritório. Está com saudades do meu aposento, srta Jade?
- E por que devo sentir saudades?
- Tão orgulhosa... - Ele me deu um beijo de canto na boca.  Fiquei com vergonha pelo homem que estava ali, testemunhando tudo.
- Então quer dizer que você ainda está aí? - Uma terceira voz se pronunciou. Alexis.
Me virei para responde-lá. 
- Onde eu deveria estar? - Cruzei os braços. Eu não iria parecer uma ingênua nunca mais na frente daquela mulher.
- Hmmm, deixa eu pensar. - Disse ela ironicamente, erguendo os dedos da mão. - Na sua casa, atropelada, envenenada no hospital ou morta, você escolhe.
Cada vez que ela citava uma coisa, ela ia abaixando o dedo.
- É mesmo? Sinto te decepcionar, mas não farei nenhuma dessas coisas, desculpe. - Ainda sorri no final da frase, típico de uma artista Hollywoodiana.
- Uma hora o vaso quebra, pode ter certeza disso. - Alexis estava com uma raiva incontrolável, diferente das outras vezes em que ela era sarcástica e ácida.
- Isso é uma ameaça, Alexis? - Andy se levantou da banqueta, indagando Alexis.
- Entenda como quiser, Andy. Sua namoradinha é tão patética que nem consegue se defender sozinha.
- Ah, agora sim, tudo fez sentido. - Andy soltou uma suave gargalhada. - Você não é mais bem vinda na minha boate Alexis, se retire por favor.
Finalmente!
- Só se for pra agora! - Disse ela, um pouco caolha de tanto esbugalhar os olhos.
Alexis saiu em um estado de fúria tamanha, batendo o tamanco no chão da Apófis, estalando a cada passo.
Andy assumiu rosto de indiferença, e continuou conversando com o homem de antes como se nada tivesse acontecido, não antes de me puxar pela cintura e me enlaçar em seus braços. Não conseguia parar de sorrir feito uma idiota. Eu estava muito ferrada.
- Chefe ?!
Alastor chamou Andy com certa urgência, dirigindo um olhar penetrante a mim quando viu que eu estava nos braços de Andy.
Enquanto o homem que Andy estava conversando divagava sobre uma obra que deveria ser feita na boate, Andy passava o nariz suavemente em meu pescoço, e me dava diversos beijinhos. Mais uma vez, eu estava muito ferrada.
- Hmm. - Respondeu ele a Alastor, não desviando a atenção do meu pescoço.
- Ouça, chefe. Uma Presença entrou na boate. Chefe?! Tá escutando?!
Suas mãos subiam e desciam alisando meus braços, e dessa vez senti uma beliscada na orelha.
- Andy porra! Olhe para cá! - Alastor latiu bem alto.
Algumas pessoas em volta de nós olharam para ver o que estava acontecendo, mas aparentemente viram apenas Andy me fazendo carinho, então voltaram a dançar e conversar.
- É o que é, Alastor? - Finalmente Andy levantou a cabeça, falando preguiçosamente.
- Uma Presença entrou na boate, e está vindo até você!
Com o mesmo braço que me alisava, Andy me jogou para trás dele muito rapidamente; não consegui inclusive reagir.
Os homens de Andy saíram sabe Deus de onde, e nos circularam, como se sempre estivessem ali.
Espiei por uma fresta do braço musculoso que me escondia, e vi quando chegou uma espécie de cortejo, com vários homens vestidos de ternos pretos caríssimos e sapatos sociais. Todos eram muito bonitos, mas exalavam frieza. Os que estavam no meio, se dividiram para os lados ate que surgisse um deus viking vestido com um sobretudo de pelo de urso, imaculado de tão branco. Muito branco e loiro, seus cílios e sobrancelhas eram quase brancos, e seus olhos tão azuis que eram quase cinzas.
- Olá irmão querido! Que prazer ver você. - A voz do desconhecido era alta e harmônica. - Quanto tempo faz? Três séculos?
Pera aí! Aquele cara era irmão de Andy? E que papo de doido era aquele de três séculos? Quer dizer, aquilo eram 300 anos. Bem, deve ter dito de forma figurada.
- Bune... - Algo estava errado. A voz de Andy estava tensa, e ela nunca ficava tensa.
- Por favor querido irmão, me chame de Buzz. Não nos esqueçamos do poder dos nomes. Ou você já esqueceu ?
- O que você quer? - Rápido, cortante.
- Pelo amor do pai, que modos são esses ? Não vai me oferecer uma bebida? Whisky talvez, ou não vai me apresentar a sua boate de muito sucesso?
- Não e não, seu filho de uma puta.
- Mamãe ficaria decepcionada, primeiro pela falta de hospitalidade, segundo pelo xingamento. Principalmente de umas de sua prole preferida.
- Foda-se você e a cadela. - Mesmo xingando, Andy não deixava se falar sedutoramente.
-  Irmão,não há necessidade disso. Eu vim em paz. - Ele poderia ter vindo com qualquer propósito, menos com ter paz. Os olhos de Bune eram perspicazes e nada perdiam.
- Me diga uma coisa Bune. Como Amonís está?
- Como é?
- Amonís. Soube que chegou até aos seus domínios um homem sem o pau. Ele está bem? - Andy fingiu interesse.
Um leve franzir de testa me fez deduzir que Bune sabia de quem ele estava falando. E ficou incomodado o suficiente para demostrar em seu rosto.
Por um momento minha visão se embaralhou, e eu vi a cabeça de Bune no meio normalmente, rodeadas de mais duas, esquerda e direita. Dragão e a outra de cão. Pisquei firmemente  e a visão sumiu. Eu deveria marcar um psiquiatra.
- Não tinha necessidade de tal mutilação, Andras. - Onde eu tinha escutado aquele nome? - Amonís veio até aqui a meu comando, para saber se o território era neutro. Eu queria te fazer uma visita a bastante tempo.
- É mesmo Bune? - Perguntou Andy, debochado. - Também não foi ideia sua tomar o meu território e me prender novamente ao Vaso?
- Quem te contou essas mentiras, irmão? - Bune era ardiloso. Eu sentia isso só em suas palavras.
- Seu comandante. Você é tão Duque de merda que não consegue controlar nem os seus homens. Ele chorou quando ameacei arrancar o pau dele e chamou por você igual a uma menininha.
Os homens de Bune olharam para ele, enquanto esse estava com a face vermelha.
Andy sorrateiramente me empurrou para Lamar, e começou a andar de um lado para o outro, fingindo que estava meditando.
- E por que você é um merda ? Hm, vamos ver. Primeiro, escapou do Vaso com a ajuda de um feiticeiro medíocre, não teve competência - Ele cuspiu a palavra. - Para sair sozinho. Depois, manda qualquer merdinha de Mayoratis e Aparytis para fazer o seu trabalho. Vem até o meu território rodeado desses merdas, que tem tudo o pau pequeno igual ao mestre, porque Amonís era de sentir vergonha. Isso é medo, irmãozinho?
Parecia que estávamos em outra dimensão. A boate estava rolando normalmente com lotação de pessoas, e nós estávamos no bar no segundo ambiente. Ninguém percebia, ou olhava torto em nossa direção. Como se fossemos invisíveis.

Se eu achava alguns sorrisos que Andy esboçava lupinos, esse se esticou em seu rosto de forma inumana, não tinha outra palavra. Todos os seus dentes ficaram à mostra.
Bune também sorriu, e mesmo eu sendo leiga, tinha certeza que eles se preparavam para uma briga.
Sem querer, soltei um ofego que ao meu ver foi baixo, mas isso bastou para trazer atenção para mim. Bune me olhou diretamente, e se eu achava os olhos de Andy dois poços sem fundo, os de Bune eram mortos, um verdadeiro campo de desolação.
- Ora, ora.  Se não é a mocinha prometida...
- Lamaaaaar! - Andy latiu. - AGORA ! 
Lamar me puxou pelo braço, com intenção de se dirigir a algum lugar, talvez seguro.
Olhei para trás, afim de me despedir de Andy, e vi uma coisa que nunca mais na vida irei me esquecer.
Bune ordenou que dois homens nos seguissem, e Andy arrancou a cabeça dos dois enquanto se transformava em uma coisa horrenda. Um homem totalmente magro, esguio e alto, muito alto,com a pele um pouco acinzentada com várias marcas que adornavam a sua pele, os cabelos continuavam cumpridos, mas opacos e ralos, mãos humanoides em formas de garras iguais aos pés, montado em cima de um lobo preto da cor da noite com olhos vermelhos e focinho longo deram lugar ao que um dia foi o meu lindo Andy.
- Andyyy! - Gritei desolada.
Aquela coisa virou apenas a cabeça para trás enquanto o corpo continuou virado para frente, ainda segurando em casa garra as duas cabeças sangrentas arrancadas. O que me olhou foi uma coruja velha com uma coroa cravejada de rubis em cima da sua cabeça.

AndrasOnde histórias criam vida. Descubra agora