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- V-Você é quem?! - Perguntei sobressaltada. 
- Ele é o Mestre, Jade. Aquele que chamamos de O Caído. - Andras afagou minhas costas.
Processei a informação. Subi a mão em um reflexo para fazer o gesto da cruz, mas disfarcei e mexi no cabelo.
- E está falando que é meu pai?

Minha vó estava certa em uma coisa. Os olhos de Samael eram mortos. A impressão era de que eu estava olhando para uma pessoa a um passo da depressão, na falta de uma melhor definição. Mesmo sendo lindíssimo, sua feição era um pouco triste, ou melhor, cansada.

Aquele era mesmo o famoso Diabo? Sempre imaginei o diabo como algo vermelho, sombrio e corrupto. Tirando a beleza arrebatadora, ele parecia ser comum. Sentia uma espécie de poder aterrador emanando em ondas daquele homem. Mesmo com a feição triste, eu não tinha dúvidas de que ele era terrível.

- Pensei que a minha mãe estivesse morta, e em menos de uma hora descubro que toda a minha vida era uma mentira. - Falei insegura, com medo de que ela pudesse desaparecer bem na minha frente.
A mulher soltou um grande suspiro, e se aproximou devagar, como se eu fosse um animal acuado.
- Minha menina está tão linda, tão madura. Meu raio de sol... - Ela sussurrou com os olhos marejados. - Antes de tudo, devo lhe pedir desculpas.
- Pelo o que? 
Andy me deu um pequeno beijo, e se dirigiu a Samael. Ambos trocaram algumas palavras através do olhar e se afastaram para nos dar mais privacidade. Eu o amei mais uma vez por esse gesto.
A mulher estendeu a mão como se fosse  tocar meus cabelos, mas recuou no último momento.
- Por ter deixado que a sua avó a levasse. Na verdade, ela a roubou de mim.
- Como assim?
Ela limpou uma lágrima rapidamente.
- Eu e a sua avó nunca nos demos bem. Fui criada em um lar religioso e rigoroso. Sua avó era uma pessoa...extremamente difícil. Quando cheguei à adolescência, comecei a usar muito preto escondido e me transformei em uma menina rebelde. Ganhei inúmeras surras e muitos castigos. Na época, conheci meu primeiro namorado na escola. Ele também era um adolescente revoltado e mexia com algumas coisas que nem ele entendia. Através dele conheci bruxaria e magia. Foi a melhor coisa que me aconteceu, depois de você meu amor.
"Na magia encontrei meu verdadeiro eu. Estudei bastante e me aprofundei nas artes escuras, que para mim foi de pura luz. Me iniciei enfim em wicca, e em um Sabá do ano de 1985 fiz um ritual de invocação para celebrar à deusa Mãe. Porém, quem respondeu ao meu ritual foi o seu pai, e eu nem preciso dizer que foi amor à primeira vista. Você foi concebida nessa noite, meu raio de sol."

Eu estava tão envolvida na história, tão envolvida na fala calma dela, que registrei bem depois a parte em que ela falou que fui concebida. 1985. A conta simplesmente não batia.

- E aí querida, me tornei a principal consorte de Lúcifer, até porque...
- Espera, espera, espera. - A interrompi.-  Estamos no ano de 2020. Eu tenho 18 anos. Logo nasci em 2002. Eu não poderia ter sido concebida em 1985.
- Oh, você não entende. Querida, essa foi a história que a sua avó contou a você. 
- Mas-mas, eu aparento ter mesmo 18 anos.
- É claro. - Ela riu. - Essa é a vantagem de ser a filha do diabo. Jovialidade é uma das dádivas que você recebeu querida. A outra delas é o dom da Visão. Aposto com você que foi capaz de ver coisas que fogem à realidade.
- É claro que não! Eu sou só uma garota comum.
- Tem certeza? - Era impressionante o quanto eu era parecida com ela.
- Sim, lógico que sim. - Pensando bem, fui capaz de ver desde o início a verdadeira face de Andras.
Meu rosto deveria ter entregado isso, pois ela riu e completou.
- Eu sabia, querida. Você é a criança mais poderosa nascida em 35 anos. Além de ser filha do diabo, você foi gerada em um Sabá extremamente poderoso.
- E depois de tudo isso? A propósito, seu nome é mesmo Caroline?
- Eu era Caroline. Hoje sou Diana. Me rebatizei para contar qualquer vínculo restante com a sua avó. Bem, depois disso me mudei para o Brasil, e dois anos depois sua avó deu um jeito de nos encontrar, com a desculpa de que desejava nos aproximar. Antes disso, por você ser filha de quem é, eu e seu pai sabíamos que você já corria perigo desde tão nova, então lançamos o encantamento mais eficaz para que você fosse de certa forma " oculta", criando um efeito invisível. Ninguém seria capaz de te rastrear caso a perdessemos, mesmo seu pai, já que se algo acontecesse, nem ele saberia onde você estaria para que os inimigos não usassem a informação contra nós, e ninguém seria capaz de identificar de quem era filha. Somente um leve cheiro perceptível permaneceu, mas você estava segura. Eu vivia em uma casa segura, somente eu e vocêá. E um dia sua avó chegou, ficou um mês na minha casa, conquistou a minha confiança, e no primeiro momento de descuido, você e nem ela já estava mais. Procurei em todos os cantos do mundo, seu pai também, mas ela era perspicaz e mudou tudo, inclusive o nome de vocês.
Eu havia voltado a chorar. Como vovó tinha sido capaz de tudo aquilo?
- Como eu me chamava?
- Lua. Você é a minha querida lua. Tudo bem ser a Jade hoje, mas você sempre será o meu raio de sol, meu amor, minha filha. Minha querida Lua.
- Por que conseguiram me encontrar agora?
- O feitiço que eu e seu pai executamos tinha um prazo de duração. Ele se rompeu em um período importante para você, pelo visto. Na verdade quem decidiu rompe-lô antes do desgaste natural foi você. Agora foi mais fácil encontrá -la porque Andras clamou por socorro ao seu pai, e consegui sentir você.
-Como foi isso? Eu nem sabia ter alguma espécie de feitiço.
- Não sei querida. Só você é capaz de encontrar a resposta aqui.
Diana tocou meu peito, na altura de meu coração. - Gostaria de fazer uma proposta a você.
- E o que seria?
- Venha morar conosco em Sheol, eu e seu pai. Sei que pode parecer loucura, mas queria recuperar o tempo perdido.
Ela me olhou com expectativa. Como seria essa experiência? Ter uma mãe e um pai, uma família completa. Senti que alguém me observava, e era Andy. Samael falava com ele, mas Andy me observava de forma tão intensa, que não exitei em responder olhando na mesma intensidade para ele:
- Com Andras eu estou em casa mãe. Lá é o meu lugar.
Ele sorriu radiante. Céus, eu amava aquele homem/demônio.
A conversa entre os homens acabaram e ambos vieram até a mim e Diana.
Samael declarou solene para mim:
- Seja sempre buscadora da verdade.  Nunca aceite crenças e verdades de outrem. Meu desejo é que você viva uma vida plena, e utilize seus dons com sabedoria.
Estava me sentindo um pouco sufocada com o olhar de Samael. Conseguia sentir o poder pulsando como uma energia elétrica. Ele estendeu uma mão com tatuagens de uma língua esquisita e passou em mim sem encostar, como se fosse um leitor de scanner.
De repente eu me senti verdadeiramente viva. Todos os meus sentidos ampliaram. Instantaneamente soube que eu estava em algum lugar ao norte dos Estados Unidos, consegui sentir a essência de Andy, de Diana e inclusive dele. Minha visão estava como 3D. Pude definir o quanto Andy estava com fome. De mim.
- O que fez comigo?
- Acordei seus dons que ainda estavam adormecidos. Esse é o meu presente para você. Agora sim é uma nefilim completa. - Samael sorriu. Com esses novos sentidos, soube o porquê sua feição era tão triste. Isso era resultado de séculos sendo o vilão odiado por todos.
- Nefilins não são filhos de humanos com anjos caídos? - Perguntei confusa, sempre muito curiosa.
- E o que eu sou, Jade?
Fiquei quieta, refletindo.
Samael tomou a mão de minha mãe e se despediu de nós com um aviso.
- Você derramou seu sangue em um círculo sagrado, Andras, espero que saiba o que isso significa.
- Eu sei. - Andy passou seu braço sobre os meus ombros.
- Esteja preparado. A segurança de Jade é de responsabilidade sua. É chegada a hora.
- Querida, eu te amo. Nos reencontraremos.
Eles sumiram como um passe de mágica.
Andy se virou e me arrancou um beijo de tirar meu fôlego. Nos afastamos respirando com dificuldade.
- Eu quase perdi você. Isso nunca mais vai acontecer.
- Nunca mais.- Concordei aliviada com ele. Eu o amava.
- Vamos para casa?

AndrasOnde histórias criam vida. Descubra agora