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Estava sonhando que chovia em algum lugar por aí. Porém, eu não escutava os barulhos rítmicos característico de uma chuva comum. O sonho se transformou em alguém tomando banho, já que eu escutava barulho de água de chuveiro ligado.
Acordei gradualmente, em algum lugar escuro. Eu estava deitada em uma espécie de mesa. Tentei me levantar, sem sucesso. Consegui suspender a cabeça, mas me arrependi no mesmo instante. A tontura me assaltou, e quase despejei bile no chão, já que todo o meu estômago ficou na lixeira do escritório de Andras. Eu estava amarrada a mesa, com duas cordas bem grossas que davam volta pelo meu corpo. Se eu não estivesse tão tonta o desespero ia me comer viva. Mesmo escuro, consegui perceber que estava em uma espécie de gruta, ou caverna. As paredes eram bastante úmidas, e ouvi um som distante de água correndo livremente. Será que eu estava em algum lugar embaixo de uma cachoeira?
Eu estava tão fraca que dormi novamente.
Despertei com o barulho de passos, estranhamente familiar. Será que era Andras? Provavelmente ele ficou muito furioso quando viu que eu consegui fugir dele. Eu queria clarear os pensamentos, mas ainda estava um pouco grogue.
Os passos foram ficando mais próximos. Tentei olhar para ver quem era, mas não consegui discernir nada, a não ser uma silhueta feminina, e de novo, familiar.
Quando a pessoa chegou a uns cinco passos, levei um choque que adormeceu meu corpo inteiro. Eu não estava chocada, ou surpresa. Estava estupefata.

- V... vovó? - Minha voz estava bem fraquinha e embolada. - O que está acontecendo?
Vovó chegou até a cabeceira da mesa, e passou a mão nos meus cabelos, com a voz mais triste e dolorosa que eu tinha escutado em toda a minha vida.
Ela estava chorando?

- Ah querida, minha doce menina... Por que você não pode ser uma menina igual a eu fui? Eu tinha tantos planos para você...

Uma gota de sua lágrima caiu em minha bochecha, que deslizou até o meu pescoço.

- Eu não estou entendendo vovó. O que a senhora quer dizer? O que estamos fazendo aqui?
- Você era para ter se tornado uma mulher de honra, que criasse uma família temente a Deus, casasse com um bom moço. Oh meu Deus, por que fez isso querida?
Minha pulsação começou a acelerar. Do que ela estava se referindo?
- Vovó, eu não entendo. A senhora não estava "fiachando?" - Minha língua estava inchada, o que dificultava a minha pronúncia.
- Eu estava fazendo a obra de Deus, quando recebi a visita de um anjo lindo , resplandecente, que me avisou do seu corrompimento com satanás.

Ah meu Deus, o que eu mais temia aconteceu. Vovó de alguma forma havia descoberto alguma coisa.
- Eu não sabia vovó, por favor me perdoe. - Tentei dizer da forma mais apressada possível.

- Queria que estivesse em meu poder te perdoar. - A mão de vovó parou de alisar o meu cabelo, e ela olhou dentro dos meus olhos com um sentimento que imaginei ser impossível existir dentro de minha avó. Ódio, puro e mortal.

- Mas eu deveria saber que não poderia ser concertado, essa impureza que cresce em você, assim como em sua mãe. Isso é do sangue sujo de vocês!

- Vovó, o que tem a mamãe, do que...

Plaft! Demorei um minuto inteiro para processar o que havia acabado de acontecer. Vovó me deu um tapa bem forte no rosto. A mesma avó que nunca havia levantado a mão para mim, que me amou incondicionalmente.
- Cala a boca, Jade! Até às suas palavras são impuras, e você ainda quer bancar a inocente comigo.
Fiquei quieta com o rosto pegando fogo. Esperei ela continuar.
- Eu tentei te salvar. Achei que criando você, e dando o amor de Cristo através de mim você estaria salva. Mas você é igual a sua mãe, aquela vagabunda. É a mesma laia.
- Por que a senhora está se dirigindo a minha mãe no presente? - Perguntei depois de um momento, baixo para não acuar vovó.
- Porque não sei se ela está viva ou morta. Nessa altura deve ter morrido, com certeza. Isso que dá, se envolver com o diabo. É tudo o que você encontra com ele, dor e morte.
- Como assim a senhora não sabe que ela está viva? A senhora sempre me contou que ela morreu quando eu era bem pequena. - Eu estava delirando, não era possível.
- Uma pequena mentira, em prol do bem. Roubei você de sua mãe no Brasil, e vim embora para o Texas.
" O rapaz que sua mãe conheceu era o homem mais lindo que eu já tinha visto em toda a minha longa vida. Ele causava sentimentos...peculiares em todos a sua volta. Seus cabelos eram castanhos bem claros e longos , e seus olhos eram de um verde infinito. Mas seus olhos eram mortos de alguma forma. Só perdição e danação habitavam naqueles olhos. Eu não gostei dele logo quando o vi, mas a sua mãe estava apaixonada, encantada da forma mais nojenta possível. Quando percebi que ela engravidou, eu sabia que não poderia deixar você na responsabilidade daquela louca desvairada. Sua mãe vivia andando toda de preto, com uns piercings ridículos pela cara. Um dia achei um altar profano do satanás escondido embaixo da cama dela. Esperei sua mãe chegar do trabalho e dei uma coça bem dada nela. Ela me confessou que estava fazendo parte de uma religião de bruxas. Expulsei ela de casa e ela foi morar com o homem, se perdendo de vez. "
Eu estava arrasada. O sentimento que ameaçava me estrangular era o de pura traição. A imagem que tive da minha avó se ruiu; se desintegrou. Que tipo de mãe expulsava uma filha de casa somente por conta de sua crença? Que horror tudo aquilo.

AndrasWhere stories live. Discover now