1. Torpor

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Não sentir mais nada é o meu único esboço de uma aparente felicidade. Ser feliz era a minha utopia, nunca mais conseguirei sequer sorrir. Destruíram minha família, meus amigos, minha casa. Eu era Katniss Everdeen, agora quem eu sou? Uma assassina frívola? Fantoche da Capital e dos Rebeldes? Uma amante desafortunada sem compaixão? Quem sou eu?! Com certeza uma jovem mentalmente desorientada com sérios sintomas depressivos, que se recusa a cooperar com o que quer que seja. Prazer, essa sim sou eu, a verdadeira Katniss Everdeen. A garota louca do Distrito 12 que matou a presidenta Coin, ao invés do sádico Snow, que deixou seu melhor amigo ser levado por pacificadores, que abandonou Peeta... Argh!, eu definitivamente não deveria estar pensando tanto.

Infelizmente meu torpor não impede meus pesadelos, toda noite é o mesmo sonho. Sempre começa com a grande explosão da mina com meu pai dentro, só que eu não escuto o usual som da explosão. Totalmente sem sentido, eu ouço Rue cantando em meu ouvido e isso me acalma, até eu sentir algo úmido escorrendo pelo meu ombro. Quando olho e vejo lágrimas de sangue caindo pelos seus olhos, então ela se transforma horrivelmente em bestante. Assustada, eu corro, corro... Mas não o suficiente. O sonho muda e vejo Prim ser despedaçada por outra explosão. Acordo gritando.

Sozinha, no escuro e apavorada. Levanto-me e sento na poltrona próxima da janela do meu quarto. Está para amanhecer. Observo as casas da Aldeia, lutando para esquecer o maldito pesadelo. Uma luz é acesa e chama atenção dos meus olhos. Peeta. O que ele faz acordado tão cedo? Humpf... Provavelmente ele deve ter tantos pesadelos quanto eu! Droga, ele está vindo para minha casa! Que diabos ele vem fazer aqui?! Acho que fui bem clara no nosso último e único encontro, quando ele estava plantando as flores de prímulas no meu cercado.

- Quem você pensa que é pra vir aqui e plantar essas flores? Justamente essas! - disse empurrando seu ombro com raiva, após nos encararmos por longos e constrangedores minutos. - Você acha que eu não estou sofrendo o bastante? Ainda acha que eu sou uma bestante? Hein? Isso é pra me magoar?!

Peeta me encarava assustado, mudo. Suas mãos tremiam e sem dizer nada ele virou-se e foi embora.

- E não volte mais aqui!! - Gritei para as costas dele.

Parece que ele não levou tão a sério meu último recado. Pelo visto ele vem checar todos os dias se as flores ainda estão no mesmo lugar. Querendo ou não, eu não tive coragem de arrancá-las. Peeta se ajoelhou próximo de um canteiro e puxou uma prímula, rodou-a nós seus dedos e inesperadamente olhou para minha janela. Tomei um susto e no mais depressa que pude tentei me encolher na poltrona, na tentativa de me esconder. Desgraçado, será que ele me viu observá-lo? Tomara que não, tomara que não!

De fininho, fui agachada para o banheiro. Pela primeira vez em semanas tomei um bom banho. Por que? Não faço a mínima ideia. Só sei que o contato da água fria na minha pele aliviou a tensão dos meus músculos e desanuviou minha mente dos pesadelos. Infelizmente meu torpor está se dissipando e isso quer dizer que todos os meus sentimentos e conflitos vão invadir minha mente. Isso não é bom. Como agora, estou me perguntando o que o Peeta fará com aquela flor. Seja lá o que for, não me interessa. A vida do Peeta não me importa.

- Quero meu torpor de volta! - Falo angustiada para mim mesma debaixo dos pingos d'água.

Desligo o chuveiro e visto uma roupa. À meio caminho da porta do quarto, algo chama minha atenção, algo que não faz parte do cenário. Sobre meu travesseiro uma linda prímula repousa. Imediatamente eu fecho a porta e desço as escadas a mil, quase me chocando com a Greasy Sae.

- Nossa Katniss, por que a correria? - Pergunta-me ela preocupada.
- Desculpe, eu só me assustei com algo lá em cima. - Disse em meias verdades.
- Hum... Sei. Fome?

Jogos Vorazes: O DespertarWhere stories live. Discover now