6. Jogos

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Como tudo na minha vida foi movido pelo impulso, agora não foi diferente. Depois de escutar a opção de Haymitch, ver como o Peeta está sendo tratado por Delly e receber a inesperada visita de Gale, todas essas situações e outras mais me fez perceber que nem tudo está perdido, se eu não quiser que esteja. Meu antigo parceiro de caça entra sem esperar por permissão, mas pudera, visto a intensidade de flocos de neve que estão entrando em casa. Despe o casaco e aquece-se na lareira. Volta-se para mim e nos analisamos. Por mais feliz que esteja em ter meu amigo aqui, isso não desfaz o sentimento de dúvida e amargura sobre o fatídico destino de Prim. E ele sabe o que eu sinto, o que ele não sabe é se realmente tenho razão.

– Katniss, podemos passar dias discutindo sobre o que aconteceu e nunca chegaremos a uma conclusão que satisfaça ambos. – Essas são as primeiras palavras de Gale para mim depois de meses afastados e não acredito que ele esteja sendo tão estúpido. – E você, no fundo, sabe disso e eu não quero ser mais frio do que eu já estou sendo, então, por enquanto, trégua?

Ele levanta as mãos em sinal de rendição. Se eu estivesse em outra situação, teria condições suficientes em conceder a trégua. O problema nisso é o fato de eu não conseguir conter a enxurrada de lembranças das reuniões no Armamento Especial com todos aqueles projetos baseados justamente nas armadilhas de Gale. Ele e Beetee trabalhando em um modo de matar as pessoas usando a compaixão. O sentimento humano. A humanidade de Prim. Todos esses pensamentos são catalisadores que reagem em minha raiva e em meu ódio. Mas Gale voltou pedindo trégua, algum tempo de rendição por suas atitudes, ele voltou na tentativa de reconciliação, visto que a retratação é algo impossível. No íntimo, eu sei que Gale jamais intencionou que algo de ruim acontecesse com Prim e foi pretendendo manter este pensamento que, com muito esforço, dou um leve aceno com a cabeça. Seu pedido de trégua é concedido.

– Obrigado Katniss, eu sei que não está sendo fácil para você passar por isso sozinha, e tenho uma leve impressão que eu sou uma das últimas pessoas que você quer ver. Mas eu realmente me preocupo com você e quero ajudar no que for preciso. – Gale fala com sinceridade e estende os braços.

Analiso por alguns segundos se abraçá-lo é realmente uma boa opção. Contudo, diante de toda confusão que está minha vida, minha cabeça, acho que um abraço é totalmente inofensivo. Dou um passo para frente e ele me envolve em seus braços. Sinto seu calor emanando para o meu; pouso minha cabeça em seu peito. Gale alisa a pequena trança nas minhas costas e abaixa a cabeça na altura do meu ouvido direito.

– Fico muito feliz em não ter sido chutado no meio dessa nevasca. – Ele fala baixinho, fazendo-me rir um pouco.

– Não sou tão insensível quanto parece. Mas tenho a leve impressão de que realmente tenho problemas mentais, já que eu não impedi você de se instalar na minha sala. – Respondo, só que dessa vez, fazendo-o sorrir.

Ficamos em silêncio por uns instantes, aquecendo-nos um no outro. Gale pode ter agido de modo impulsivo na guerra, ter sido por inteiro um rebelde. Entretanto, ele nunca me traiu, nunca virou as costas para mim. Se tivesse, tenho certeza que ele não estaria aqui comigo. Fico contente em saber que nossa amizade continua, apesar dos pesares.

Gale continua brincando com a ponta da minha trança em seus dedos. Então, percebo que já fomos longe demais com isso. Se alguém tem que se afastar, esse alguém sou eu. Desvencilho-me do abraço e lanço um sorriso amistoso para ele. Gale tenta disfarçar, mas assim como ele, eu o conheço muito bem. Ele não queria quebrar o contato. Contudo, rapidamente Gale recompõe a postura e joga-se no sofá ao meu lado. Acho que ele entende que eu preciso de tempo e espaço. De algum modo, ele sabe que tudo está uma bagunça para eu poder afirmar alguma coisa com precisão.

O silêncio se instala novamente entre nós, mas não de modo constrangedor. Estamos muito envoltos em nossos próprios pensamentos para nos importamos com o silêncio. Esse é o benefício em ter Gale por perto, posso ser eu mesma, não que com Peeta eu não seja a mesma, só que é o Peeta e não quero que ele se preocupe com meu estado físico e mental, não quero que ele veja as minhas fraquezas, mais do que ele já vê marcado em minha pele. Ter Gale de volta é quase como voltar aos tempos de caça, agindo em sincronia.

Jogos Vorazes: O DespertarWhere stories live. Discover now