4. Choque

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Fico olhando o papel por uns momentos, observando a letra e a textura dispostas elaboradamente no cartão. Uma simples frase com mil significados. Ao o quê exatamente ele se referia, eu não faço ideia. Apenas que aquela desculpa não pertence ao Haymitch (até parece!) e que eu não consigo conter o sorriso nos meus lábios. E isso é estranho, visto que mal consigo lembrar a última vez que nós tivemos uma conversa normal ou quando eu ou ele estivemos ao menos próximo do normal. Então, o simples fato de receber um papelzinho desses com apenas duas palavras, é o suficiente para dar um nó na minha cabeça e fazer-me correr na direção da casa dele.

A rua está meio escura, também tendo somente eu, Peeta e Haymitch como habitantes, pudera aqui ser mal iluminado e triste. O vento frio corta minhas bochechas, levanto a mão para bater na porta dele, mas me contenho. E se ele surtar novamente? Não seria nada legal... Entretanto, eu preciso me esforçar e mostrar para o idiota do Haymitch que eu ainda tenho atitude na minha vida. Por outro lado, prometi a mim mesma que iria me afastar do garoto do pão para a sua própria segurança... Merda! Ele acendeu a luz da entrada. Droga, não dá, tenho que sair daqui. Droga, droga... Sua medrosa estúpida.

– Katniss? – Peeta me chama quando estou a cinco metros da casa dele. Bem, não vai dar para fingir que ele não me viu. Viro-me lentamente.

– Oi, Peeta... Eu vim aqui na sua porta... Quer dizer...

– Quer entrar? – Ele pergunta interrompendo minha infrutífera tentativa de disfarce. O que me deixou agradecida, visto que a situação ia ficar cada vez pior.

Então, eu balanço a cabeça e entro. Sou guiada até a sala, recebo chá e biscoitos. Não sinto um pingo de fome, mas beberico o chá para não fazer desfeita. Enquanto isso percebo a formalidade, a tensão e até um pouco de frieza e distância entre nós. Peeta senta-se em uma poltrona à minha frente. Encara-me pressionando o maxilar.

– Tudo bem, Katniss? – Ele pergunta, tentando amenizar o desconforto.

– Sim, e com você? – Peeta inspira profundamente antes de responder, como se para ponderar suas palavras.

– Não Katniss, não estou bem. Muito pelo contrário, eu me sinto péssimo pelo o que houve de manhã. Realmente acreditei que eu estivesse progredindo no meu tratamento, mas você viu o que aconteceu. É simplesmente imperdoável, eu deveria ter continuado com os remédios, ter sido mais cuidadoso, você está passando por problemas tão mais sérios do que os meus e... – Peeta se cala tentando controlar a voz.

Dessa vez ele não me olhou enquanto falava. Mantinha os olhos fixos na decoração dos biscoitos em suas mãos que tremiam levemente. Agora eu compreendo um pouco a sua aflição, nos momentos em que eu estava afogada no meu próprio pesar, não me importando com absolutamente nada, Peeta estava tentando achar um modo de me socorrer. Ele entendeu que isso somente seria possível quando achasse que fosse seguro ficar perto de mim sem surtar. Então, sozinho, Peeta procurou se tratar. Saber que ele falhou na sua missão deve estar sendo um tormento, saber que eu nunca terei um resquício da sua nobreza, é o meu tormento.

– Sinto muito, Katniss. Eu deveria ter dito isso pessoalmente e não através de um papel qualquer. Só que eu fiquei com medo da sua reação e de mim mesmo.

– Peeta, está tudo bem, eu entendo. Na verdade, a culpa é minha, - Ele me olha sem acreditar que eu realmente disse isso – sério mesmo, a princípio eu jamais deveria ter invadido seu quarto e lhe acordado com um arco e flecha nas mãos. – Digo sorrindo um pouco, pois isso foi realmente ridículo. Só na minha cabeça doentia alguém iria machucar o Peeta, que agora sorri consternado.

Encaramo-nos e observo as marcas das suas unhas ficadas no seu rosto. Levanto lentamente a mão para tentar tocar sua face, mas ele está além do meu alcance. Então, um pouco relutante Peeta se aproxima, permitindo-me tocá-lo. Ele fecha os olhos enquanto passo o dedo em cada marquinha na pele ferida. Esse é o tempo que tenho para tentar reconstruir meus pensamentos. Na influência da sua presença, das suas desculpas, pergunto-me se sou realmente sinônimo de perigo para ele. A confusão assola minha mente. A dúvida pairando no limiar entre o que devo, o que quero e o que é certo. Ele abre os olhos.

Jogos Vorazes: O DespertarWhere stories live. Discover now