5. Pequeno Incômodo

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Demoro alguns segundos para absorver as palavras do Haymitch, mais ainda para compreender os significados por trás dela. Se o que eu entendi está certo, ele não me quer perto do Peeta, pois ele entende, assim como eu, que sou uma ameaça, perigo, qualquer coisa de ruim para ele. Mas eu quero me afastar? Será que não me importo, a ponto de deixa-lo ir embora?

Haymitch pega minha mão e espera que até eu encontrar seus olhos. Não sei o que ele viu no meu rosto, mas tenho certeza que não o faz feliz tampouco.

– Katniss, você lembra o que me pediu antes de voltar para o Massacre Quartenário? Você praticamente me implorou.

– Salve o Peeta. – Digo em um sussurro.

Ele balança uma vez a cabeça, cheio de pesar. Toca o meu rosto e vai embora, deixando-me sozinha. "Salve o Peeta!". Meu maior desejo e eu falhei miseravelmente todas as vezes na tentativa de ajudar, se não fossem os outros vitoriosos, nunca mais veria o meu garoto do pão. Por mais cruel que possa ficar minha vida, Haymitch está certo. Tenho que continuar mantendo Peeta não só vivo, mas feliz.

Pego minhas coisas na mesinha e sigo para o armário da cozinha. Lá encontro o antigo livro da família. Sento-me no sofá e começo a folheá-lo, na procura das ervas certas para o meu tratamento. Sei que a mamãe as usou para sair da própria depressão. Com certeza, vou precisar das mesmas plantas agora que a situação vai mudar drasticamente. Tenho que botar na minha cabeça que isso foi uma decisão minha, por mais dolorosa que seja. Peeta esteve comigo por tanto tempo, ele fez tudo por mim, é a minha vez de tentar fazer algo certo.

Chego nas páginas mais belas do livro. Os desenhos do Peeta são perfeitos e precisos. Tenho que deixa-lo ir, eu tenho. E isso não é abandonar, é salvá-lo. Mas Delly Cartwright?! Será que ela conseguirá fazê-lo feliz? O que ela sabe sobre o Peeta? Ok, eles cresceram juntos, ela sabe algumas coisas... Talvez até mais do que eu, já que nós nunca tivemos um momento tranquilo para conversarmos. Mas mesmo assim! E por quanto tempo ela vai ficar na casa dele?

– Está bem Katniss, isso não lhe interessa mais, lembra? Supera. A felicidade do Peeta é o que importa, então o melhor que você pode fazer é esquecer isso. – Digo para mim mesma, na infrutífera tentativa de me convencer a continuar no sofá.

Acho que vou enlouquecer de vez. Se antes eu já estava submersa em pesares de luto, agora saber que eu terei de fazer de tudo para me afastar por completo dele ultrapassa os limites da sanidade. A questão é que não eu sei dizer o que estou sentindo. Estou em uma luta, não, não luta, guerra, estou travando uma enorme guerra interna entre seguir o que o Haymitch disse (o que, infelizmente, é certo a fazer) e o que eu realmente quero. O problema é que eu não sei o que eu quero!

Depois que perdi Prim, nada mais me motivava, tudo era pretexto para mais lágrimas, desespero, descrença. Não permiti ninguém se aproximar e, assim, fiquei sozinha, presa nos próprios tormentos da minha mente. Tornei-me um vegetal. Neste momento, sofro as consequências de todos os meus atos. Não perdi apenas Prim, perdi minha mãe, Gale, minha casa, minha vida e, agora, Peeta. Na guerra todo mundo sai perdendo. E eu saí perdendo duas vezes a mais que todo mundo.

O que seria isso se não os sintomas depressivos correndo minhas derradeiras esperanças, aproveitando minha vulnerabilidade e se instalando pesadamente sobre a pequena sanidade que consegui construir nos últimos dias. Haymitch tem razão. É a vez do Peeta. Pelo menos ele terá que ser feliz. Se em algum momento eu fui, deveria ter apreciado com mais ardor. Haymitch conseguirá finalmente cumprir sua promessa. Pronto, está decidido, é isso que devo fazer, devo ajudar Haymitch e salvar Peeta.

Olho pela janela, tarde nublada. Provavelmente, essa noite será tensa. Procuro ocupar minha mente, fingir que não me incomodo com o que deve estar acontecendo na casa do vizinho da frente, fingir que está tudo bem. Então, ainda fingindo, começo a procurar as ervas para meu tratamento. Por sorte, muitas das que eu preciso eu avistei nas minhas duas últimas visitas à floresta. Olho novamente para a janela, amanhã o tempo vai estar com sorte, apenas chuvoso. Preciso daquelas ervas.

Jogos Vorazes: O DespertarWhere stories live. Discover now