7. O Beijo

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Entre quem me valoriza e me deprecia, apostarei naquele que me ama! Será a escolha ideal? Essa é outra questão.

Gale senta-se ao meu lado no sofá da sala. Analisa minha expressão, mas dessa vez tenho certeza que ele não vai encontrar nada marcado. Encaro-o. A raiva ainda pulsa em minhas veias, contudo posso sentir a frieza escorrendo pelo meu rosto. Seus olhos estão calculistas e intensos. Seja lá o que se passa pela cabeça dele, creio que não tem nada haver com minhas emoções.

– O trem de mercadorias chega logo após o almoço. Sei que está nevando, mas já enfrentamos coisas muito piores que isso, então o que você acha de nós caçarmos algo para o almoço, como nos velhos tempos? - Gale convida. Tenho a impressão que ele está tão ansioso para voltar à floresta do que aparenta.

– Pode ser. Aqui não tem comida mesmo. – Respondo indiferente, tentando a todo custo não deixar transparecer nada.

Pegamos nossos casacos, minha bolsa de caça e meu antigo arco que veio do 13. A neve parou de cair. Atravessamos a Aldeia dos Vitoriosos em silêncio. É impressionante como velhos hábitos realmente nunca mudam. Ao passar pelas primeiras árvores procuramos pelo tronco oco que sobreviveu no bombardeio. Pegamos o único arco e aljava restantes. Fazemos nosso percurso, mantendo a usual formação de caça e coleta. Depois de uma hora e meia conseguimos uma boa refeição com coelho, amoras, alguns morangos e ervas.

Gale acende uma ótima fogueira, nos sentamos ao redor para nos aquecer, assamos o coelho e começamos a conversar descontraidamente. Em momento algum mencionamos os acontecimentos da manhã. O que foi muito legal da parte dele. Entretanto, sei que em alguma hora ele tocará no assunto, só tenho que me preparar para explicar algo convincente, algo que não convença somente ele, como a mim também.

Acabamos o almoço. Descemos a pedra. Coletamos algumas ervas que sobreviveram na neve para meu tratamento, fato que é totalmente perda de tempo, visto que eu já tenho essas mesmas plantas dentro da minha bolsa. Escondemos os dois arcos no tronco e nos dirigimos à estação de trem. No caminho Gale é cumprimentado por alguns nativos que se surpreendem em vê-lo. Muitos são seus antigos colegas que trabalharam com ele na mina.

Finalmente chegamos à estação, o trem já estava desembarcando as mercadorias. Entramos na fila para solicitarmos a encomenda de Haymitch. Gale agilmente põe a saca em um ombro e com a outra mão segura uma sacola com quatro garrafas contendo a água ardente. Para mim sobraram apenas duas sacolas com três garrafas cada. Moleza. Caminhamos para a Aldeia dos Vitoriosos, no percurso Gale continua a conversar comigo, o que é um pouco estranho, uma vez que ele nunca foi do tipo tagarela. Entretanto, mesmo achando bizarro, mantenho o diálogo.

Chagamos na casa do Haymitch. E não a reconhecemos, Greasy está fazendo um trabalho e tanto, o lugar recobra os sinais lar deixando de lado o usual chiqueiro. Lembrando-me de como era antes, era bem provável que o cercado dos gansos fosse mais limpo do que costumava ser esse interior. Mas agora, eu até me arriscaria a andar descalço. Adentramos na cozinha e Haymitch avança para minhas mãos.

– Demoraram! – Ele reclama, arrancando a tampa de uma garrafa e bebe direto do gargalho, não perdendo tempo em pôr no copo.

– De nada! – Rebato, olhando-o asquerosamente.

Gale põe o saco com as garrafas em cima da mesa e sai para o quintal para dar a ração para os famintos gansos, de modo que fico sozinha com meu antigo mentor que está com a cara muito azeda. O que suponho ser por causa da abstinência. Mas mesmo depois de secar um quarto garrafa, a sua careta não muda. O que me leva a supor que seu azedume nada tem haver com a falta de bebida e, sim, comigo. Ótimo. Então, na intenção de fugir de sua mira, começo a me dirigir para o quintal.

Jogos Vorazes: O DespertarWhere stories live. Discover now