9. Último Dia De Primavera

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Encaro Haymitch por longos segundos, analisando sua expressão. É verdade, Peeta foi embora. Baixo os olhos e saio. Definitivamente, não volto para casa. Se Gale me ver, ele saberá que algo aconteceu. Posso até tentar esconder, mas nesse momento isso é impossível. Sigo para o único local em que eu poderei ser eu mesma. A floresta está calma e ainda escura, entretanto isso não é problema. Problema será eu conseguir manter minha sanidade em controle.

Subo a pedra que eu e Gale costumávamos nos encontrar. Sento-me e puxo as pernas para meu peito, balançando-me levemente. O vento frio corta minha pele, mas eu não o sinto. Como ele pode fazer isso comigo? Ele me deixou, mesmo quando havia dito que ficaria junto de mim para "sempre"! No entanto, a culpa é minha, dessa vez eu assumo a responsabilidade. Haymitch tinha razão, eu não servia para o Peeta. Eu o tinha comigo, ele fazia parte da minha vida, um elo inquebrável. Mas não o valorizei. Peeta também tinha seus problemas e o abandonei muito antes dele ir embora. Eu efetivamente perdi o Peeta e agora eu sinto o peso da sua falta, da sua companhia, do meu menino do pão.

O céu aos poucos vai clareando e assim a floresta ganha vida. E eu? Vivo ou defino? Não sei. Sinceramente, nem sei definir como me sinto. O choque ainda eletriza minha mente e, com certeza, quando isso acabar a dor será excruciante. A realidade se apodera do meu ser e as primeiras pontadas da dor perfuram meu peito com uma onda agonizante que percorre minhas veias. A raiva por não ter feito nada, por não ter valorizado, por ter jogado.

Se eu continuar sentada, algo muito pior que a depressão me possuirá, eu tenho que me ocupar. Se for para continuar a me atormentar é melhor eu não ficar perto dessas amoras cadeado. Levanto-me e sigo pela trilha no meio da floresta. Pego o arco e uma aljava. Concentro-me ao máximo para não pensar em nada, apenas nos meus movimentos, em respirar, na floresta a minha frente. As primeiras flechadas são péssimas, mas continuo mantendo o foco, ou melhor, tentando. Após algum tempo, acerto um peru. Penso em fazer a fogueira aqui nesses troncos mesmo, contudo decido ir a outro lugar. É um pouco distante, entretanto o retorno ao lago será interessante.

Depois da longa caminhada encontro o lago e a usual vegetação ao redor, o casebre abandonado e alguns tordos. Entro no pequeno lugar, acendo a lareira e ponho para assar uma parte do peru, enquanto coleto algumas ervas e frutas. O trabalho mantém-me ocupada, mas é mecânico demais para concentrar minha mente. Após algumas horas não consigo evitar a veracidade da minha vida, cheguei ao fundo do poço. Agora não tenho mais ninguém, assim como Peeta, Gale também irá embora um dia. Sei que ele está esperando o momento certo, que ele espera eu me reestruturar, mas dadas as circunstâncias, minha sanidade está à beira do precipício e quando eu cair será fatal.

Sento-me à margem do lago, o sol da tarde esquentando minha pele. A primavera chegou e o inverno o levou. Meus dedos engancham-se nas raízes dos meus cabelos. Minhas unhas cravam minha carne. O tormento da perda me engole e a angústia avança como a névoa mortal dos últimos jogos vorazes. Sem conseguir suportar mais, gordas lágrimas de pesar deslizam pelo meu rosto. Ouço um tordo cantar ao longe e, logo em seguida, um coro se forma.

Aos meus ouvidos escuto uma canção triste, uma canção de derrota, um coração partido. Eles cantam para mim. Primeiro um, depois outro e assim por diante. Ouço a canção até o fim, mas chego ao limiar da tolerância. Pego minhas coisas e saio correndo desse lugar. Tropeço algumas vezes por conta do desespero. Subo a pedra e encontro a amora cadeado a minha espera. Sento-me próxima da árvore e puxo uma baga. Rolo-a pelos dedos e lembro-me do primeiro jogos vorazes, em que Peeta acidentalmente matou a Cara de Raposa. Tão rápido, talvez ela nem tenha sentido dor. Recordo do quão aflita e aterrorizada fiquei ao escutar o canhão soar e Peeta não ter respondido ao meu chamado. Quando compreendi a confusão e o erro de ambos, o desespero em minha voz transformou-se em um alívio consumido por um abraço. Da mesma forma, aconteceu no campo de força no Massacre Quaternário. Por longos instantes o coração de Peeta parou, mas foi o suficiente para acabar com o meu próprio.

Jogos Vorazes: O DespertarWhere stories live. Discover now