7. Uma Noite Sem Fim

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As notas altas e metódicas foram ficando mais estridentes a cada segundo, deslizada seus dedos pesados de pressa, violentamente sob o teclado

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As notas altas e metódicas foram ficando mais estridentes a cada segundo, deslizada seus dedos pesados de pressa, violentamente sob o teclado. Sua taça de vinho na ponta do piano tremia prestes a cair no chão, toda aquela barulheira o impedia de ouvir meus berros de piedade, por mais que gostasse, preferia continuar tocando, sabia o quanto me torturava psicologicamente com aquela melodia funebre. Dê minha boca seca e esbranquiçada, não saiam mais palavras, apenas gemidos de dor e angústia. Naquele porão quente e abafado suava, porejava incontrolavelmente, me debatia, tentando me livrar daquelas cordas, rastejava pelo chão sujo ao lado do resto de comida, sentia as patinhas de ratos e insetos perambulando pelo meu corpo, por cima de minhas feridas, espalhando mais sangue pelo chão.

Não sabia se estava delirando ou se a música havia parado. O rangido dos velhos degraus o entregava, podia sentir o cheiro de vinho se alastrando e o bater dos cubos de gele dentro da taça, alarmando ainda mais sua presença. A cada passo, tremia, agonizava em prantos. Meu olhar deixava claro minha repulsa, meu ódio e meu medo, que evidentemente se transparecia mais. Meu maior medo, era ter que suportar mais um arranhão, mais um soco, mais uma facada, sobreviver a cada dia antes de minha morte e nunca mais, voltar a viver. Com aquele sorriso cínico e amarelado me encarava feliz, divertindo-se com todo meu sofrimento. Nunca pensei que aquele amor sem fim, fosse um dia se tornar abstinência.

Apoiou a taça no carpete empoeirado em minha frente, acompanhando o ritmo da minha respiração, cutucava com a faca minha maior ferida, no peito do pé, mais uma vez, meu maior medo tornava-se real. Cada vez mais forte a faca ia e voltava, o sangue escorria em meus dedos, não era fortemente avermelhado, fazia dias que não me alimentava direito, fazia dias que eu não sabia o que era viver.
Horas depois, após apresentar a faca, várias regiões do meu corpo, me vendo sem reação alguma decidiu parar, pois queria me ver viva, para que essa brincadeira pudesse durar para sempre. Subiu as escadas cantarolando alegremente. Chorando extasiada, relutava contra a dor que era vasta e quase invencível. Por um segundo vi a liberdade em minha frente. Talvez minha única opção além da morte. Um fio de luz a iluminava, brilhava diante da escuridão, fui me contorcendo até ela, pode ver meu reflexo, estava irreconhecível até para mim, hematomas gravíssimos, manchas de sangue por todo meu corpo pálido, meus olhos inchados roxeados entreabertos quase fechados. Com uma cabeçada, consegui derrubá-la, aquela linda taça, agora havia se tornado apenas cacos de vidros que usei para, enfim, m livrar daquelas amarras.

Vim muito esforço, levantei, fazia dias que estava na mesma posição, mancando, arrastando meus pés para conseguir dar um passo após o outro, sem quase enxergar a saída, permaneci firme, mesmo balbuciando de dor, o mais baixo possível. Por mais que meu corpo implorasse para esperar até amanhã, permaneci a andar, sabia que era o único horário que estaria dormindo, tudo que eu precisava fazer era subir aquelas escadas e usar o telefone. A cada degrau sentia meu corpo me deixando, agora faltando tão pouco, não seria eu a culpada do meu medo tornar-se real para sempre. Com um degrau de distância entre eu e a porta, antes que erguesse minhas pernas para dar o último passo, fui assolada por uma forte tontura, que fez com que caísse. Com o barulho da minha queda escadaria abaixo, apareceu depressa, seu semblante não era de felicidade, até perceber que eu estava viva. Estatelada no chão, rodeada de sangue e consumida de dor, percebi que não sentia mais minhas pernas e braços, desesperada, a frente de todo meu sofrimento, implorava quase sem voz por sua misericórdia. Com seu largo sorriso amarelado, pegou um caco de vídeo e passou a cutucar meu umbigo. A casa cutucada, permanecia com os olhos arregalados encarando aquela única janela embaçada, esperando que aquela noite chegasse ao fim, para que eu pudesse ter, nem que fosse um mísero minuto de trégua, nas o dia nunca chegava.

Eu estava morta, além de viva. Não adiantaria me conflagrar, deplorar, permanecer relutando contra o meu próprio corpo. Estava presa a essa realidade infame e infeliz. Agora, eu seria um simples brinquedo vulnerável e fútil sendo controlada, usada, para manter viva sua louca abstinência. Sem nada que eu pudesse fazer, além de sentir cada arranhão, cada soco, cada facada, enquanto viva estivesse, para sempre.

- Vinicius Cellurale
&
- vikfrance_art

773 palavras

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