Couleurs

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cores (s.f.): impressão que a luz refletida nos corpos produz nos órgãos da vista; o colorido predominante de um corpo, ambiente, substância etc; marca distintiva ou simbólica de algo (países, clubes, etc); substância corante que se mistura em tinta; o colorido da pele de uma pessoa; realce, vivacidade; aspecto, feição; e do latim cordis: afeto, desejo, inclinação, vontade e coração.

"As palavras de uma língua, caro senhor Gorelli, são uma paleta de cores, que tanto podem fazer o quadro feio, como podem fazê-lo belo, segundo a maestria do pintor." - C. Porta

Pela primeira vez em muito tempo, Lauren acordou bem disposta. A missy levantou antes mesmo do nascer do sol, com um estranho sorriso no rosto, acompanhado de um anormal bom humor, mas que eram totalmente bem-vindos. Também pela primeira vez em muito tempo, tivera uma noite sem pesadelos.

Decidiu então fazer algo que também não fazia há muito tempo.

Aquela porta estava há tanto tempo fechada, que até rangeu ao ser aberta e Lauren praguejou a madeira, torcendo para que aquilo não tivesse sido o suficiente para acordar suas amigas. Entrou no quartinho e se deixou sorrir pelas memórias ao olhar para as paredes, agora cobertas pelo plástico azul, mas ela sabia muito bem o que havia embaixo dele e pela primeira vez em muito tempo, aquilo não estava lhe trazendo um sentimento ruim. Puxou o plástico preto que cobria a velha estante de prateleiras de metal e soprou a poeira pra longe, pegando o grande tripé com uma certa dificuldade, cambaleando pelo apartamento por conta do peso que agora lhe era castigante, abriu as portas que davam para a sacada e posicionou ali o objeto, montando-o com cuidado, com um sorriso tranquilo e nostálgico no rosto enquanto passava um pano úmido para tirar a poeira. Voltou quase correndo para o quartinho, pegando uma grande tela em branco e desajeitadamente a colocando embaixo do braço, para conseguir carregar ao mesmo tempo sua maleta favorita de tintas.

Lauren teve que molhar os pincéis com água rás - estavam duros por conta do desuso - e aguar um pouco as tintas que estavam quase secas em sua maioria, mas isso não tirou sua motivação nem um pouco, muito pelo contrário. Arrumou o cabelo num coque e se posicionou de frente à tela, com pincel e paleta na mão, mas os olhos no horizonte.

A arte fazia parte de Lauren, ou talvez, ela fizesse parte da arte. Era algo dela, uma conexão inexplicável que lhe fazia um bem danado. Um bem do qual ela havia se abdicado por pura fraqueza, por falta de vontade de lutar. Há tempos, sua inspiração lhe foi arrancada brutalmente por uma rasteira da vida mas agora, lá estava ela de volta. Voltou tão inesperadamente como se foi.

Antes de começar a pintar, a missy se pôs a divagar. Era um ritual, sempre organizava os pensamentos antes de pintar uma tela, para que o quadro refletisse seus sentimentos e gostava de fazer isso olhando o horizonte, o céu e tudo que podia ver da sacada do flat, passava-lhe uma calmaria sem tamanho. Sua mente acabou tomando um rumo completamente inesperado e ela soltou um riso descrente.

Lauren era arte, mas pra ela, tudo também era: a pintura, a fotografia, culinária, a música, o magistério e até as coisas simples como o chorar, o falar, o piscar… Tudo! Viver em si é um tipo de arte; da qual a missy também havia perdido sua inspiração, mas quem sabe ela voltava também, assim como a da pintura voltou.

Sua mão se movia lenta e detalhadamente bem no ritmo de seus pensamentos, seus olhos verdes cerrados e atentos na tela e o semblante concentrado, com o lábio inferior preso entre os dentes. A paleta já estava lambuzada por conta das misturas para gerar outros tons, ela nem precisava olhar para as cores direito, já havia as memorizado e fazia quase como por extinto.

Se deixou mergulhar no que fazia, esquecendo-se totalmente de seus arredores.

-Lauren?! -A voz de Dinah a pegou tão desprevenida que por pouco ela não borrou todo o quadro.

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