10 - Sem peninha

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Kira

Não parei de pensar um só minuto sobre a atitude que o mestre teve em me ajudar no Raices.
Eu tinha dito a ele que era o meu primeiro dia, e ele fez questão de me elogiar pro meu chefe, e eu não tive palavras pra agradecê-lo naquele momento, por isso, no primeiro horário da aula, eu fui falar com ele.

—Mestre, obrigada por ter me ajudado ontem no Raices, na correria não tive tempo de agradecer. —eu disse.

—Eu só disse a verdade, você é excelente, Kira.

Sorri agradecida e voltei pra onde eu estava, ao lado da Rosa.

—Você e o mestre...? —Rosa me lançou um olhar sugestivo.

—O quê?

—Não me diga que você tá pegando o mestre Tácio? —perguntou.

—O quê?! Não! De onde tirou isso? .

—A forma como se olham, parecem atraídos um pelo outro. Sem contar que eu nunca vi ele sorrir, a não ser quando fala com você...

—Rosa, você está viajando!

—Tabom, não está mais aqui quem falou!

Não, não pode ser. Um homem como o Tácio jamais se interessaria por mim, ele só foi gentil por acreditar no meu trabalho.

—A primeira luta vai ser da Rosa. —disse o mestre me tirando dos meus pensamentos. —Quero que lute com a Camila.

Tudo bem que eu ache o mestre bom em alguns aspectos, quase todos na verdade.
Mas tem uma coisa que me irrita profundamente nele.
Em como ele faz a Rosa se sentir colocando ela pra lutar com as mais fortes o tempo todo.

Não digo isso porque acho ela fraca, muito pelo contrário, ela é tão forte que jamais vi uma lutadora que resista tanto quanto ela.
Mas ainda precisa de muito treino.

Eu jamais usaria esse método de ensino para meus alunos. O mestre parece se aproveitar disso para fazê-la desistir do Muay Thai.

Mas a Rosa nunca desiste.

Aquela foi mais uma luta que a Rosa não conseguiu vencer, mas lutou até o fim, com honra.

No nosso vestiário, eu a ajudei a limpar os ferimentos no rosto.

—Se ele pensa que vai fazer eu desistir de lutar, está muito enganado.

—Assim que se fala, Rosa.

—Sabe Kira, eu entrei pro ISC sabendo que ia sofrer muito, por não ter uma base grande no Muay Thai, mas se tem uma coisa que eu tenho bastante base é em ser dura na queda, sabia da possibilidade de ter gente como você, que já sabe lutar e que não precisa fazer esforço pra ser boa, mas eu acredito que um dia eu chego no seu nível.

—Eu fico lisonjeada que você se inspire em mim, mas saiba que eu também me esforcei muito pra ser considerada boa, eu já apanhei muito pra chegar até aqui, literalmente.

—Eu sei disso. —ela sorriu. —De qualquer forma, apanhar é uma coisa que eu sei fazer bem.

—Particularmente, não acho que o método de ensino do mestre Tácio com você seja o melhor, ele tenta testar sua resistência o tempo todo. Caso você queira isso, posso tentar conversar com ele pra ele pegar leve.. não sei.

—Não mesmo. Quero surpreendê-lo sozinha. Provar que sou muito mais do que ele pensa que sou.

Assenti com a cabeça, e continuei tirando o sangue do rosto dela.

Saímos do vestiário e tinha uma luta masculina sendo finalizada.

—Próxima a lutar: Kira. Alguma voluntária quer lutar com a Kira?

Olhei pra trás, onde estavam os alunos, e ninguém levantou a mão.

O mestre olhou pra mim como se dissesse: Viu só? Estão com medo.

—Eu me recuso a acreditar que ainda tem covardes aqui dentro.

—Eu quero, mestre.

Quem eu menos esperava estava dizendo aquilo.

Rosa.

—Você acabou de sair de uma luta, tem certeza disso? —o mestre perguntou.

—Sim, senhor. —Rosa disse.

Fiz que não com a cabeça na direção dela, mas ela sussurrou. "Relaxa"

Desde que entrei, nunca tive uma luta séria com a Rosa, eu sempre evitei isso, e o mestre nunca havia colocado a gente pra lutar.

Mas parece que esse dia chegou.
Não queria lutar com ela, porque eu tenho medo da minha reação, quando subo no ring, eu me transformo em alguém com sentimentos vazios, pela minha sobrevivência.
Não sei se agora será tão fácil assim.

Todos da turma se aproximaram pra ver a gente lutar de perto, jamais perderiam duas amigas se socando.

—Sem peninha, Kira. —o mestre alertou.

Nos cumprimentamos com o toque de luvas.

Dei alguns pulinhos pra aquecer. Não acredito que estou fazendo isso com a Rosa.

Deixei ela me dar o primeiro soco, e só então ataquei.

A Rosa ficou na defensiva por tempo demais, eu não precisei de tantos chutes e joelhadas para abrir a guarda dela.
O meu ritmo estava mais lento que o normal, mas mesmo assim a Rosa não me atacava na mesma intensidade.

Estava sendo uma luta muito injusta. E todos ali sabiam disso, a essa altura não tinha como eu deixá-la ganhar.

—VAMOS ROSA, O QUE EU TE ENSINEI?! —gritava o mestre.

A luta estava durando, mas os golpes vinham só do meu lado, tentei dar um espaço pra ela, mas Rosa estava cansada.

—Acaba logo com isso, Kira. —disse o mestre impaciente.

Um último soco no rosto da Rosa, fez com que ela caísse.
Só não caiu no chão, porque eu a segurei em um abraço.

—Me desculpa. —sussurrei pra ela.

—No final da aula, quero ter uma conversa com você, Rosa. —O mestre disse e saiu da sala.

—Você não tem que se desculpar, foi uma luta limpa. Obrigada por não me deixar ganhar, Kira. Isso mostra que quer que eu aprenda.

Olhei no fundo dos olhos dela.

—Você aceitaria ser treinada por mim fora daqui? —perguntei.

—O que? Como assim?

—Bom, eu tenho um saco de pancadas na minha casa, e também tem uma mini academia no meu prédio, posso conversar com a síndica, você vai pra lá e eu treino você.

—Seria incrível, Kira. —ela disse claramente emocionada.

Foi automático o abraço que dei nela.

Depois de alguns minutos, resolvi ir atrás do mestre Tácio, e dizer a ele o quão mal esse método de ensino faz pras pessoas, eu não estou nem aí se o que ele pensa de mim vai mudar daqui pra frente, aquilo não podia continuar.

Quando eu estava saindo da sala, encontrei ninguém mais e ninguém menos do que o Julian, conversando com o mestre Tácio do lado de fora, perto da porta.

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ImprováveisWhere stories live. Discover now