49 - Dormir aqui

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Julian

Na mesma rapidez com que eu o enforquei por trás, ele se soltou do golpe.

—Perdeu a noção do perigo, moleque? —Ele armou a guarda e veio na minha direção, tentei me defender, mas foi em vão, ele me acertou um soco no rosto, acabei me desequilibrando e caindo no chão. —É até covardia lutar com um fraco como você, moleque. Achou mesmo que poderia contra mim? você é uma piada.

—Então vamos ver quem vai rir por último. Vou fazê-la desistir dessa carreira, e você vai se dar mal, mestre cuca. Vai parar de ganhar dinheiro em cima da fragilidade da Kira.

Ele riu.

—Ela entrou nessa porque quis, eu nunca obriguei ela a nada. —Ele se aproximou. —Não tente entrar no meu caminho, jogadorzinho. O último que tentou não acabou bem. Eu só não acabo com a sua raça aqui e agora porque estamos rodeados de patrocinadores e eu não quero ser mal visto, você deu sorte.

Quando voltei, lá estava o mestre rodeado por empresários interessados na "modelo perfeita" que ele criou. A modelo que não come, e se comer, vomita tudo depois. A que pesa como criança, que não consegue dormir, que chora todas as noites.

Mas isso vai acabar.

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Kira

2 semanas intensas.

Três refeições por dia pareciam tortura, o meu estômago já estava acostumado a pôr pra fora, e o pior de tudo: a minha mente o obrigava a fazer isso. Eu precisava ser forte, aos poucos eu estava conseguindo não vomitar, mas bastava uma olhada no espelho para colocar tudo a perder novamente.

Eu não sei se a imagem que eu vejo é a real de mim, achava que isso acontecia apenas nos filmes, mas em um segundo eu me sentia magra demais e no outro gorda demais. Estou doente e reconheço isso.

Outro dia encontrei minha mãe chorando enquanto conversava sobre o meu estado com o Julian, ela estava o agradecendo por cuidar de mim. Ás vezes eu me sinto uma egoísta por estar sendo um peso pra ele, afinal, a mãe dele já ocupa bastante do seu tempo e atenção, dividir esse tempo comigo não parece estar sendo fácil.

O mestre Tácio também vem se mostrando mais compreensivo e não me julga tanto ao me ver comer, como ele sempre fazia.

Hora do jantar, o prato a minha frente havia o que na minha cabeça era uma quantidade absurda de comida, mas reparei que era a mesma proporção que o Tomás comia.

—Kira, você não gosta de batata frita? —Tomás perguntou ao me ver encarando o prato por minutos.

não conte calorias. não conte calorias. não conte calorias. não conte calorias.

—Eu costumava gostar. —Respondi e forcei um sorriso.

—Se achar que não consegue, não coma, filha. —minha mãe me olhava com pena. Eu estava com pena de mim mesma e controlando absurdamente minha vontade de chorar.

Tomás me olhou com dúvida e me analisou por alguns segundos.

—Feche os olhos. —ele pediu e assim o fiz. —Agora abra a boca.

Ao abrir minha boca, ele depositou batatas fritas e sorriu ao me ver mastigá-las.

—E aí, você gostou? —perguntou com sua inocência tirando a força daquela onda de culpa que me cercava.

—São realmente boas, Tom. Obrigada por me dar coragem. —eu disse e recebi seu abraço.

Comer já não parecia ser tão ruim.

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Julian

A Kira estava finalmente reagindo aos estímulos, estava visivelmente mais saudável e havia recuperado bastante peso, os trabalhos como modelos estavam diminuindo, mas em compensação a sua saúde estava aumentando e eu só poderia estar mais feliz se minha mãe estivesse acompanhando a Kira e evoluindo também, mas a cada dia que passava, mais eu ouvia seu choro nas madrugadas e morria de medo de que ela tentasse se matar outra vez.

Assumi a empresa de caminhões do meu pai e agora dinheiro não era o problema, eu nunca pensei que um dia falaria isso, mas se eu pudesse voltar no tempo, mesmo ganhando pouco como garçom, eu preferiria a minha felicidade naquela época.

Enquanto finalizava meu trabalho no escritório, duas batidas na porta chamaram minha atenção.

—Senhor Julian, esta moça insistiu para falar com o senhor. — Disse um dos motoristas revelando que detrás dele estava a Maressa, minha ex namorada.

—Oi Ju, posso entrar?

Queria dizer não, mas a curiosidade falou mais alto.

—Pode, o que faz aqui? —Pergunto.

—Nossa, Ju. Que frieza ao me receber!

Fazia tempo que a Maressa não me procurava mais, principalmente depois que Kira e eu assumimos nosso relacionamento e ela notou que jamais teria chance comigo novamente. Vê-la ali era estranho demais.

—Soube o que aconteceu com sua mãe, eu sinto muito, deve estar sendo muito difícil enfrentar isso sozinho. —Ela continuou dizendo e se aproximando com tristeza no olhar.

Maressa sempre se deu muito bem com minha mãe, por isso acreditei em sua expressão triste. As duas eram muito amigas.

Maressa me surpreendeu com um abraço.

—Obrigado, Maressa. —Me soltei do abraço.—Não precisava se incomodar vindo até aqui, aliás, como sabe que estou trabalhando aqui?

—As notícias correm, querido. Mas isso não importa, agora eu só gostaria de visitar sua mãe, talvez ajude em algo, você sabe que ela me adorava!

Assenti. A minha mãe gostava mesmo da Maressa, talvez vê-la depois de um tempo ajude em algo.

—Tudo bem.

Saímos do escritório e caminhamos até minha casa. Minha mãe estava no sofá com o olhar longe, nem reparou quando abri a porta.

—Mãe, têm alguém aqui que gostaria muito de te ver. —Eu disse e ela finalmente nos olhou.

Um vislumbre de felicidade cobriu seu rosto e ela até se levantou para abraçar a Maressa.

—Que saudade, minha linda. —Minha mãe dizia.

Foi legal vê-la feliz. Foi incrível ver minha mãe jantar sem dizer que está sem fome. Nunca pensei que fosse dizer isso mas sou grato pela Maressa ter vindo aqui esta noite.

As duas conversaram tanto que nem notaram que já era meia noite.

—Maressa, está tarde. Quer que eu te leve pra casa? —Pergunto.

—Ah, eu estava pensando em dormir aqui, Ju. —Ela disse casualmente.

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