001. O Bracelete

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Sempre que me lembro que não sou daqui me dá uma sensação de que estou fazendo merda atrás de merda. Aliás, o meu nome é Ahri e eu nasci em uma das Coréias, mas não me considero uma coreana nata. Isso porque sou brasileira naturalizada, moro no Brasil desde que me entendo por gente, em São Paulo, no bairro Liberdade — carinhosamente apelidado de "Liba" por nós, habitantes.

Por ser um bairro tipicamente japonês, você deve estar se perguntando o que eu faço aqui. Eu nasci no dia quinze de janeiro do ano dois mil, atualmente tenho vinte e dois anos. Eu estou noiva, mas isso é só uma curiosidade, não vem ao caso nesse momento. A verdade é que eu não sou filha biológica, sou adotiva. Os meus pais adotivos são japoneses imigrantes e, quando fui adotada, a minha mãe não conseguia engravidar. Eu era bebê quando ganhei um lar, e fui escolhida por eles por causa da minha ascendência asiática. Três anos depois, com tratamento, a minha mãe engravidou e teve a minha irmã, Ayumi. A nossa diferença de idade é de cinco anos.

Até o momento em que escrevo isso, eu não sei muita coisa sobre a minha "parte coreana". Bom, eu conheço a cultura das Coréias. Os meus pais sempre apoiaram que eu conhecesse o lugar da onde eu vim, então eu já viajei para as Coréias algumas vezes. Mas eu nunca parei para conhecer, de fato, a minha história antes de ser adotada, até porque isso não faz diferença para mim atualmente e eu nunca tive a curiosidade e necessidade de ir atrás quando era mais nova.

Talvez esse pensamento mude com o decorrer do livro, não irei descartar essa hipótese neste momento.

Porém, por enquanto eu vou ficar na Ahri que eu conheço e na minha família adotiva. Então, voltando ao assunto de antes…

Aqui em casa não existe diferença entre filhas, recebemos exatamente os mesmos privilégios e o mesmo investimento financeiro. Eu não sou tratada como a filha adotiva, a coitadinha, e a Ayumi não é tratada como a biológica, a princesa. Nós somos iguais. Tirando o fato de eu ser maior de idade e a minha irmã ainda não. Por isso eu posso fazer algumas coisas a mais do que ela.

Os meus pais investem muito na nossa educação profissional. Desde nova, eu ouvia deles que nós nascemos para sermos lembrados mesmo depois que morrermos, e, para eles, a melhor forma de se conseguir tal "façanha" é através dos estudos. A única coisa que eles cobram de nós são notas boas e uma formação. Eles nos querem ver profissionalmente realizadas e marcadas na humanidade. E eu concordo com esse pensamento deles. Eu curso Engenharia Aeronáutica na ITA, que, segundo rankings internacionais, é uma das melhores instituições do mundo no ramo aeronáutico. Muita gente fica de queixo caído quando eu digo isso, mas eu só estou lá porque me esforcei demais para conseguir uma vaga.

No meu curso é preciso saber muita coisa relacionada à  Matemática e à Física. Essas são  duas matérias que tiram o sono de muita gente, mas não o meu. Eu sou muito curiosa quanto ao funcionamento do planeta, e eu já tinha para mim que não conseguiria estudar outra coisa se não fosse relacionada à área das exatas. E para vocês, leitores, vai ser importante guardar essa informação, porque é a partir dela que a minha história vai começar a ganhar sentido.

Essas duas matérias tem uma importância exímia para a minha família, isso porque, há anos, um dos nossos antepassados descobriu uma forma de viajar no tempo usando as Leis da Física e os números três, seis e nove. Bom, este antepassado sabia como fazer uma viagem para o passado ou futuro apenas na teoria. Na época ele não tinha grana para colocar a mão na massa em um projeto de máquina do tempo, mas conseguiu deixar inúmeros registros que serviram para que, com o passar dos anos, seus descendentes fossem dando continuidade e conseguissem chegar ao invento que poderia mudar o curso da humanidade. Tecnicamente dizendo, quem conseguiu finalizar a invenção foi o meu pai, Miguel, e a sua irmã, a tia Miyuki. Só que eles nunca tiveram a oportunidade de testá-lo antes. Quando houveram problemas familiares que fizeram a minha tia se mudar para o Japão, em dois mil e onze, a máquina ficou no Brasil com o meu pai e ele decidiu repassá-la para mim e para a Ayumi. Junto dela, ele nos repassou os estudos feitos até o momento e disse que a partir de agora, nós duas éramos as responsáveis por fazer daquele o projeto mais útil para a humanidade. 

Playing Against Time | Bento Hinoto [SENDO REPOSTADO]Where stories live. Discover now