016. "Free Bird"

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Alberto era habilitado para dirigir carros, mas ele não tinha um carro. O fato dele ter ido até a casa da minha tia dirigindo um Opala 71 preto me fez perguntar descaradamente onde ele tinha conseguido aquele carro. Ele respondeu que Chikara havia o emprestado. Chikara era o irmão mais velho dentre todos os irmãos do Bento, e ele era o caçula. O meu namorado não chegou a conhecer o seu pai, pois este morreu quando ele era ainda um bebezinho. Dessa forma, Chikara meio que assumiu um papel paterno para o Alberto. Ele era veterinário. Tinha aberto o seu próprio consultório em Guarulhos e possuía planos para abrir um no centro de São Paulo, também. Ele não morava com a sua mãe e o caçula, mas sempre ia na casa deles. Quase toda vez que eu estava lá eu me encontrava com ele.

Bem, eu me surpreendi bastante quando Alberto revelou que aquele carrão pertencia ao seu irmão. Sabe, mesmo que fosse formado e empreendesse um negócio próprio, Chikara não era rico. Ele gostava de comprar roupas, sapatos e acessórios da Mizuno, e o jeito que se vestia e fazia a sua pele bronzeada contrastar perfeitamente com as cores das roupas, passava ainda mais a impressão de que ele era um japonês rico. Mas não era. Ele e o Alberto eram parecidos fisicamente, óbvio. Para alguns ocidentais eles podiam ser taxados de idênticos, mas obviamente eu não via tantas semelhanças assim. O cabelo, o tom de pele e o formato dos olhos eram a mesma coisa, mas o Chikara, por ser mais velho, tinha algumas linhas de expressão espalhadas pelo rosto. Suas bochechas eram menos cheinhas do que as do Bento e os lábios um pouco mais finos, além dele ser bem mais alto. Viram? Os japoneses não são todos iguais.

Bem, o foco principal é que o irmão do meu namorado não tinha tanto dinheiro assim para comprar um Opala naquela época. No mínimo, estimo eu, que ao fazer aquela aquisição, ele parcelou a compra por, no mínimo quarenta e oito meses.

Bom, a gente foi no tal Fliperama. Eu achava que era um lugar específico, mas não: em São Paulo, nos anos noventa, existiam locadoras de jogos que ficavam abertas à noite apenas para atrair pessoas para jogarem. Um fliperama nada mais é do que um jogo onde você compra uma fichinha e a coloca em uma máquina que tem uma tela e uns botões. Aí você joga apertando naqueles botões. Confesso que fiquei um pouco decepcionada ao descobrir que se tratava apenas disso, mas fiquei ainda mais decepcionada ao perceber que eu era horrível jogando aquilo. Todas as partidas eu perdi para a máquina!

A parte boa foi que o meu namorado me levou para comer em uma pizzaria e hamburgueria logo após o rolê e ainda bancou toda a refeição. Se não fosse por isso eu voltaria para casa estressada pelas perdas catastróficas e ainda com fome. Bom, na verdade eu não iria para a casa logo após, corrigindo a minha frase anterior. Depois que o meu buchinho estava bem cheio, Alberto me surpreendeu ao mudar a rota do caminho da casa da minha tia.

— Eu quero que você conheça um lugar especial — ao ser questionado para onde eu estava sendo levada, foi isso o que ele me respondeu, sem desviar o foco da estrada à sua frente. Assim, o que me restou foi apertar o meu cinto de segurança e esperar que chegássemos nesse lugar.

Não percebi quando acabei adormecendo no carro. Acordei apenas ao sentir a vibração do motor sendo desligado.

— Chegamos — ao se desprender do cinto de segurança, o meu namorado se aproximou de mim para sussurrar e deixar um selar na minha testa antes de descer do veículo. Rapidamente ele deu a volta para abrir a porta para mim, em um ato de completo cavalheirismo.

Antes de pisar fora do automóvel, eu dei uma rápida olhada no local onde estávamos e tudo o que consegui enxergar foi mato. Achei até que o Bento tinha ficado meio biruta em me levar para o meio do nada. Entretanto, ao me erguer e dar alguns passos para frente, eu tive diante dos meus olhos uma das vistas mais bonitas que eu já tive a oportunidade de presenciar em toda a minha vida.

Playing Against Time | Bento Hinoto [SENDO REPOSTADO]Where stories live. Discover now