003. Dia dos Namorados

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Mais desesperada para encontrar a outra estava a minha tia do que eu para achá-la. Ela estava na entrada da casa de shows cercando todas as pessoas que passavam por si, perguntando se tinham visto uma moça loira, peituda, de batom vermelho e dos olhos puxados. Na real, o que foi puxado foi o braço dela, por mim, e para longe daquele tumulto.

Ela foi me xingando o caminho todo de volta pra sua casa, desde o momento em que pegamos o ônibus até a hora em que descemos no nosso ponto. E xingou mais ainda quando contei a minha aventura com o Alberto. Disse que foi uma tremenda falta de responsabilidade da minha parte ter transado com um carinha que nem era do meu tempo, e por isso eu preferi não dizer naquela hora que, no meu tempo, eu era noiva.

Talvez não fosse exatamente a melhor ideia contar para a minha tia o que eu fiz. Porém ela era a única pessoa naquele momento em que eu podia contar alguma coisa, porque eu não queria guardar pra mim o que havia acontecido. Quando expliquei isso, ela disse que me entendia perfeitamente. Só que completou dizendo que "por mais que concordasse com o meu tesão em um guitarrista gato, era difícil apoiar que eu ficasse com alguém de outro tempo e que eu mal conhecia" — essas palavras ficaram guardadas direitinho na minha mente.

E eu sabia que realmente estava me metendo em uma cilada. Porém, naquele momento, eu não precisava que alguém me dissesse que eu estava me encrencando. Eu sabia disso e precisava de um tempo para digerir tal informação. Por isso acabei voltando para o meu tempo em um momento no qual a minha tia falava tanto que nem perceberia que eu não estava mais lá.

Era pouco mais de meia-noite quando reapareci na minha casa, mas Ayumi ainda estava acordada me esperando dentro do nosso quarto. Quando me viu, ela largou o livro que lia de lado para falar comigo:

— Você demorou horas, papai e mamãe cansaram de esperar e foram dormir. Nós ficamos preocupados!

Suspirei diante da sua frase e me sentei sobre a minha cama.

— Eu acho que preciso de um tempo para assimilar tudo o que aconteceu nas últimas horas.

Minha irmã levantou da sua cama e foi até a minha se sentar ao meu lado para passar o seu braço direito ao redor dos meus ombros, me mostrando um sinal de compreensão, companheirismo e conforto.

— Eu não sei o que aconteceu, mas você parece cansada — a sua voz era certeira como um tiro. Eu realmente estava cansada. Mas não fisicamente. — Vá dormir agora e depois você me conta.

Desta vez eu não recusei o conselho de um dos meus familiares. A opção que a Ayumi me dera parecia mais atrativa do que permanecer acordada pensando em coisas que eu poderia fazer ou não ter feito nos anos noventa. Fui até o banheiro levando o meu pijama para me trocar e um demaquilante para descolorir a minha cara rebocada.

Aquela especificamente foi uma noite muito mal dormida que eu tive, e por este motivo eu acordei mais cedo do que costumo acordar. Olhei o relógio e eram quase oito horas, até tentei adormecer de novo, mas não obtive sucesso. Na minha mente latejava o fato daquele ser o dia dos namorados e, além de eu ainda não ter comprado um presente para o Kenzo, o meu noivo, para ajudar, tinha o meu encontro marcado com o Alberto. Sabe quando você se sente uma fodida? Cheguei à conclusão de que não adiantaria ficar apenas pensando nessas coisas e não fazer nada para "desembolar" a minha vida. Eu me levantei e fui para o banheiro me arrumar rapidamente para ir ao shopping comprar o presente do Kenzo. Entretanto, no momento em que eu estava prestes a sair de casa, a campainha tocou. Ao olhar pelo olho mágico, vi o meu noivo em pé do lado de fora, sorrindo, segurando um imenso buquê de rosas vermelhas em uma mão e uma caixa de bombons Ferrero Rocher na outra.

Como eu ia encarar ele sem nem uma bala para lhe dar em troca? Não atendi a porta, ao contrário disso, corri de volta para o meu quarto para pedir que a Ayumi atendesse no meu lugar e dissesse à ele que eu não estava.

Playing Against Time | Bento Hinoto [SENDO REPOSTADO]Where stories live. Discover now