021. Dilema Emocional

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Certo, eu tinha um propósito — impedir a queda do jato que transportava a banda no dia dois de março de noventa e seis —, um mistério para resolver — descobrir o que ocasionou a tragédia — e uma pista do que talvez poderia ter acontecido naquela noite — a tragédia ter sido motivada por um agente externo. Tendo tudo isso em vista, eu me organizei com um planner para que eu conseguisse testar várias coisas e estudar meios de chegar à uma resposta para o que, de fato, fazer naquele dia. Levando em consideração as teorias citadas nos capítulos anteriores, sobre a alteração de tempo, enquanto eu não tivesse uma teoria concreta de para onde o meu bracelete me levava quando eu o usava, eu não poderia o usar para descobrir o que a tal "Ahri de noventa e seis" fez para evitar o acidente, isto é, se essa Ahri existisse. Eu teria que me virar completamente sozinha, pelo menos por enquanto, e a melhor forma que encontrei de conseguir dar conta de tudo foi planejando cada minuto do meu dia.

Assim, eu tive bastante tempo livre para estudar sobre o acidente. Um dos métodos que eu mais usei para isso, durante vários dias seguidos, foi utilizando simuladores reais de vôos. Mas não quaisquer simuladores: se eu tinha o propósito de evitar um acidente de um Learjet 25, eu tinha, também, que simular o voo em um painel semelhante ao de um Learjet 25. E o único lugar que eu conhecia que possuía um desses era exatamente o local que eu pensava que não precisaria pisar nunca mais na minha vida, mas acabei constatando de que eu estava profundamente enganada: o próprio ITA. Vou falar para vocês um negócio: a sensação de pisar na sua antiga faculdade depois de ter se formado é muito estranha. Para mim foi mais do que isso. Mas, enfim, vamos voltar ao assunto anterior...

Com poucos minutos livres na minha agenda, acabou que eu, inevitavelmente, me distanciei de certas pessoas muito importantes para mim: a minha irmã, os meus pais, a minha tia, o meu noivo, os meus amigos e o meu namorado. O meu foco nos estudos foi tão grande que eu, principalmente, descuidei do meu próprio psicológico. Não, isso não era nem um pouco bom, eu sei. Mas eu só não percebi antes que fiquei tão fora de mim que acabei me esquecendo qual era o verdadeiro motivo de eu estar fazendo tudo aquilo: amor. Eu amava todos que me rodeavam, e estava me submetendo àquela situação justamente para salvar todo mundo de um mal ou sofrimento futuro. Entretanto, mesmo que as minhas intenções fossem as melhores, eu admito que não demonstrei isso durante o tempo em que estive estudando para que o pior não acontecesse. Fui só perceber o quanto fui arrogante com todos os que tentavam me ajudar e se preocupavam comigo quando notei que eu já estava em dezembro de dois mil e vinte e três. O ano estava quase acabando e eu não tinha visto o tempo passar direito, não tinha aproveitado muita coisa, e pior, tinha perdido a confiança de praticamente todos à minha volta.

Às vezes cair na realidade pode ser mais doloroso do que tomar um tiro, foi o que constatei naquele momento.

Com certeza todo mundo estava muito chateado com o meu comportamento ingrato nos últimos meses! Como não pude pensar nisso antes? Eu definitivamente tinha que fazer alguma coisa para ficar de bem com todos novamente! Eu tinha essa convicção. Mas como eu faria isso? Aí é que eu não tinha nem ideia. Porém eu sabia que teria que pedir desculpas de alguma forma, desculpas sinceras e que demonstrassem o quanto eu me importava com aquelas pessoas. Sim, eu sabia muito bem com quem eu deveria me desculpar primeiro.

Foi numa quarta-feira por volta de meio-dia que eu tomei este meu grande choque de realidade. Junto dele, eu tomei a vergonha na cara de me levantar da escrivaninha do meu quarto naquele exato momento, vestir uma blusa branca lisa mais novinha, pegar o meu bracelete e trocar rapidamente de ano. Era um dia de semana antes do almoço. Eu sabia que o Alberto estava na garagem com os meninos do Utopia ensaiando as suas músicas autorais e alguns covers para tocarem nos próximos shows.

Ao sair rapidamente da casa da minha tia, eu corri para o ponto de ônibus mais próximo e peguei o primeiro que ia para Guarulhos. Para a minha sorte, era um que deixava no aeroporto. Seria bom, pois assim além de pegarmos um caminho exclusivo até o destino e chegar mais rápido, eu não andaria muito até chegar na garagem de ensaio da banda.

Playing Against Time | Bento Hinoto [SENDO REPOSTADO]Where stories live. Discover now