002. Casa de Shows

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— Por que você demorou tanto? — Miyuki mal me viu ao abrir a porta e já foi direto saindo e me levando junto para o portão de saída da sua casa. — Precisamos correr senão não conseguiremos lugares bons!

Talvez eu tenha me atrasado um pouco, mas juro que não foi tanto quanto ela fez parecer que era. Nós pedimos um táxi e em questão de uns quarenta minutos já estávamos dentro do local onde aconteceria o show.

Quando chegamos lá, eu cheguei à conclusão que, para a minha tia, sinônimo de "lugares bons" eram lugares na frente, colados no palco. Esses eram os únicos que estavam totalmente ocupados. Para mim lugares bons eram lugares onde eu conseguiria ver o show sem problemas, e onde havia sobrando de lugares assim naquela casa de shows era… No bar. Parece que Miyuki não gostou muito da ideia de ficar sentada no bar para acompanhar o show — diferente de mim, que achei aquilo o máximo —, porque na primeira oportunidade que teve, ela escapuliu do meu lado sem eu nem ao menos notar.

E sinceramente, eu não me importava com isso naquele momento. Estava lá era pra assistir o show da banda, não ser babá da minha tia. Eu a procuraria depois, quando me desse vontade de ir embora. Por enquanto eu estava muito realizada, sentada em um banco e ainda tendo o privilégio de tomar um drink e comer uma carninha assada enquanto assistia a banda tocar.

A banda Utopia era realmente muito boa, mesmo que não tocasse exatamente o estilo de rock que eu costumava ouvir no meu dia a dia. O som deles era mais parecido com o de bandas e cantores da época, como Cazuza, Legião Urbana e Engenheiros do Hawaii, o que definitivamente era o que eu esperava que fosse. Musicalmente falando, eles estavam dentro do padrão de bandas de rock dos anos noventa, não era nada muito diferente do que se era comum de ouvir naquela década. 

Mas tinha algo naqueles integrantes que me enfeitiçava e me deixava obcecada pela apresentação deles: a presença de palco. Eu não consigo explicar como eles transmitiam uma energia tão positiva cantando e tocando músicas tão sérias e até um pouco depressivas. Eles interagiam muito entre si ao vivo, era visível que se tratava de uma banda muito unida.

Porém eu sentia que faltava alguma coisa. A minha intuição não me diria para ir vê-los somente para reparar em suas posturas durante uma apresentação, não é mesmo?

Pensando nisso, mais no fim do show eu tirei um tempo para raciocinar sobre o que tanto me chamou a atenção neles enquanto eu tomava mais um drink. Já era o quarto copo que eu consumia naquela noite. Eu não costumava beber tanto de uma única vez.

Talvez eu só quisesse mesmo era ver o show daquela banda e nada mais. Deve ser por isso que eles tanto me despertaram a atenção.

— A senhorita está sozinha?

Fiquei tão presa nos meus pensamentos que nem notei quando alguém se sentou ao meu lado no balcão. Senti tanta vergonha por ter sido tão distraída e mal-educada que acabei nem olhando para a pessoa para responder:

— Não. Estou com a minha tia.

— Ah, entendi — reparei no tom de voz grave e aveludado. Quem havia se sentado ao meu lado com certeza era um rapaz. — E onde está a sua tia?

— Isso eu também  não sei — é, desde a hora que Miyuki tinha ido dar aquela "escapulida", eu realmente não havia tido mais sinal dela. Pensar nisso me fez soltar uma risada nervosa. — Ela é imprevisível e gosta de uma gandaia. Talvez tenha saído e eu nem vi.

Eu sabia disso porque já escutei o meu pai falando que, quando era mais nova, Miyuki costumava trazer dor de cabeça para dentro de casa quando saía sozinha. E eu não duvidava, sabe-se lá o que ela já não teria feito nesse tempo fora?

Eu ri imaginando a situação e o moço ao meu lado também riu, segundos depois de mim.

Neste momento, notei o garçom se aproximando com o pedido que eu havia feito. Eu o lancei um sorriso como forma de agradecimento assim que ele terminou de me servir — e, sinceramente, me arrependi amargamente de o ter feito logo depois. Eu odeio o fato de que, quando eu lanço um sorriso, os meus olhos se fecham quase totalmente. Eles são muito puxadinhos e às vezes eu só vejo um borrão quando sorrio. Mas o fato principal é que sorrir só vai realçar os meus traços asiáticos em um país xenofóbico como o Brasil. Geralmente eu costumo evitar fazê-lo para evitar ser apelidada de coisas escrotas, como "xing ling".

Playing Against Time | Bento Hinoto [SENDO REPOSTADO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora