010. Brigados

265 29 3
                                    

Seguindo o som distorcido da sua guitarra, eu pude encontrá-lo facilmente na varanda dos fundos, dedilhando notas aleatórias enquanto olhava para o nada. Vi uma brecha para me aproximar sem ser notada para  poder puxar uma cadeira da mesa redonda que ficava ali fora e me sentar atrás dele, na sua reta. O barulho que fiz sem querer fez a minha presença ser percebida pelo meu namorado, mas ignorada.

Eu fiquei ali, o ouvindo tocar, enquanto pensava na frase que falaria para quebrar o nosso silêncio. Ficar sem falar com ele mesmo estando tão perto dele enchia o meu peito de desespero, e o fato do garoto também não ter dirigido um "a" à mim só piorava a minha situação. Foi quando ele deu uma pausa entre uma nota e outra. Neste momento eu aproveitei para disparar qualquer fala, apenas para que não ficássemos mais um segundo sequer sem falar um com o outro. Bom, não era qualquer fala, porém foi a primeira coisa que. surgiu na minha cabeça:

— Eu queria te pedir desculpas.

— Pelo o quê?

Ele não largou o seu instrumento ao me rebater. No entanto, eu percebi uma certa distância do seu ser pela sua voz.

— Você sabe. Pelo o que a Ayumi disse.

— Você não precisa se desculpar, você estava bêbada. Quando se está bêbado é realmente difícil controlar os impulsos e ter consciência dos atos.

— A sua lógica está correta, mas você está com raiva de mim, então eu me vejo na obrigação de te pedir desculpa.

— Na verdade, eu não estou com raiva de você. Eu estou com raiva de mim mesmo.

Aqui ele largou o seu instrumento no chão ao seu lado antes de olhar para trás, na minha direção. Quando os nossos olhares se encontraram, eu fiz um sinal o convidando para se sentar no meu colo, oque foi obedecido sem questionamentos. Depois de aconchegado, ele disse:

— Eu não devia ter aceitado o seu desafio.

— E eu não devia ter lhe feito ele — ai, se arrependimento matasse… — Mas você está assim por que não ficou comigo o tempo inteiro?

— Não! — Esse "não" saiu um pouco alterado, mais alto do que o de costume. — Pelo o que a Ayumi contou, eu quase te traí! Me sinto um canalha por ter feito isso com você.

Um casal falar de traição tão diretamente assim era, sem dúvidas, um tabu, mas o Alberto estava realmente me mandando a real no assunto, mesmo que parecesse incomodado. Julgando pelas suas expressões faciais e tom de fala, ele provavelmente estava se culpando. E eu não julgo ele, sabe? Neste caso, qualquer pessoa que realmente tem caráter e preza pela saúde mental do parceiro ficaria chateada, como ele se encontrava naquele momento. Mas o Bento era mais sentimental do que eu, sempre foi, e isso ficou mais nítido ainda naquele momento. Se eu errasse, o meu erro estaria no passado e agora eu tentaria acertar quando tentasse de novo. Ele ficava remoendo o erro como se fosse algo que fosse acabar com a vida dele. E era exatamente o que estava estampado na sua testa naquele momento: ele não ficaria bem consigo mesmo se eu não lhe dissesse que estava tudo bem entre a gente.

— Você está preso no "se acontecesse", gatinho. O fato é que não aconteceu. Se acontecesse, a minha irmã falaria, mas ela disse que não aconteceu. E se acontecesse eu teria uma reação no momento em que ela falasse e não viria até aqui conversar com você. Não aconteceu. Tenta pensar positivo!

Aparentemente apreensivo, ele virou para trás e voltou o seu olhar de encontro ao meu.

— Eu nunca me perdoaria se machucasse os seus sentimentos, principalmente porque uma galha feia não combina com a mulher mais bonita do mundo — ao ouví-lo, eu sorri e provavelmente corei de leve. Ele tinha o dom de me fazer sentir especial, mesmo nos momentos mais delicados. — Você não está com raiva de mim?

Playing Against Time | Bento Hinoto [SENDO REPOSTADO]Where stories live. Discover now