Capítulo 14

658 83 19
                                    

BEATRICE FONTENELLE

Dias se passaram e o Henrique continua da mesma forma comigo.

Não sem falar, mas talvez se ele tivesse decidido deixar de falar comigo eu estivesse me sentindo melhor agora do que ando me sentindo cada vez que ele me trata com distância e frieza.

Mal olha em meus olhos e insiste em me chamar de senhorita a todo instante, impondo um respeito exagerado que nos distancia cada vez mais.

Acho que nunca me passou pela cabeça que ele fosse mesmo capaz de abandonar tudo e me deixar de mão assim, de uma hora para outra. Isso pode ser um traço bastante narcisista da minha parte, mas ele insistiu em mim por mais de três anos e agora que nós dois estávamos relativamente juntos de novo ele desistiu.

Sim, eu sei que eu acabei ferindo seus sentimentos quando falei daquela forma, mas estamos indo viajar hoje e eu não queria ir nesse clima.

Justamente por isso estou na sala da casa da única pessoa com quem posso conversar nesse momento, a única que sabe da minha complicada relação com o Henrique.

— Bea, ele não esta errado, sinceramente demorou até muito.— Stella disse passando levemente a mão sobre a barriga. 

Stella e Dom estão animados com a premissa de ter um garotinho deles correndo pela casa em breve, a nossa família tem tentado adivinhar qual de nós vai ser o responsável por dar mais presentes ao garoto que ainda nem nasceu.

Isso gerou uma pequena aposta entre o meu pai e o tio Tom para passar o tempo, as disputas nunca são muito saudáveis no nosso meio, mas o lado bom é que já está no fim, a Stella pode dar a luz a qualquer momento.

— Você acha que ele está certo de me tratar assim?— Perguntei desacreditada sabendo perfeitamente que esse é o meu lado narcisista falando.

Henrique tem todo direito de se negar a passar mais tempo tentando ter algo com alguém que apenas o afasta o tempo inteiro, eu reconheço isso por mais que seja doloroso. 

— Pensa comigo, ele correu atrás de você, se humilhou por anos a fio, nunca desistiu e nunca se cansou de tentar te convencer a ouvir a versão dele do que aconteceu mesmo você se negando, coisa que não deveria ter feito. Agora você disse a ele que nunca casaria com ele, Bea o Henrique te ama e você pisou nisso por orgulho, ele tinha quer ter um pouco de amor próprio.— Eu sei que ela ainda tentou aliviar um pouco as palavras, mas Stella é uma mulher muito sincera especialmente comigo, e eu sempre agradeci por isso, mas agora tanta sinceridade quase me fez sangrar.

Eu pisei nos sentimentos dele?

Essa nunca foi a minha intensão, tudo o que eu quis fazer foi proteger os meus próprios sentimentos por que a explicação dele sendo convincente ou não, o fato é que eu fui muito machucada com tudo isso. 

— Acha que dessa vez não tem mesmo volta?— Perguntei sentindo o gosto amargo das palavras.

Não tem volta.

A ficha de que ele pode realmente não querer nunca mais nada comigo caiu, me atingindo como uma flecha que encontrou o alvo perfeito.

— Se ele não te amasse tanto ao ponto de permanecer na inércia completa por três anos eu diria que não tem mais volta, mas como estamos falando do Henrique com certeza tem. Mas tem um porém Bea, ele está ferido como um animalzinho, se quiser ter ele de volta vai precisar partir de você e vai ter que ter muita paciência também.— Stella respondeu e eu assenti concordando.

A grande pergunta aqui na verdade não é se eu e o Henrique vamos acabar bem em algum momento, mas sim como a Stella pode falar com tanta propriedade de coisas assim se seu único relacionamento na vida foi o meu primo, com quem está agora casada?

Talvez ela tenha um dom especial.

Abracei ela e me dirigi até a casa do Marco para pegar as últimas instruções antes de viajar, na minha opinião não tem mais instrução nenhuma para ser passada, ele só quer aproveitar a oportunidade de ser mais uma vez o capo exigente e mandão que espera resultados ao invez de tentativas.

O estrelismo da nossa família é verdadeiramente algo impressionante.

— Principessa.— Meu pai comemorou assim que passei pela porta.

Desde que ele chegou da viagem com a mamãe ele anda um tanto quanto... Meloso.

Não faço ideia do que a minha mãe fez com ele durante esse tempo longe, mas com certeza não foi o meu pai quem ela trouxe de volta.

Ele sempre foi carinhoso conosco, mas nunca foi do tipo que nos abraça a casa vez que nos vê passar.

— Oi pappa, como está?— Perguntei retribuindo o abraço com fervor, se ele quer mesmo ser um pai meloso de agora em diante eu vou retribuir sendo uma filha tão melosa quanto.

Olhei para perto da porta apenas por instinto e vi o Henrique lá perfeitamente parado, tal qual uma estátua de tão imóvel.

Ótimo, já está em seu casulo novamente.

— Com saudade ainda filha, de vocês todos, mas o seu irmão não me deixa abraçar ele na frente das pessoas.— Meu pai fez queixa do meu irmão e eu gargalhei achando graça da situação.

— Claro que não deixo pappa, não pega bem, quer que me vejam como um garotinho?— Meu irmão retrucou contrariado arrancando ainda mais risos de nós.

Percebi que em realidade estamos aqui apenas ele, meu pai, eu e o Henrique. Acredito que vá ser uma reunião muito breve e sem instruções especiais, caso contrário certamente a maior parte da família estaria presente.

Dei de ombros despreocupada e virei para o Marco.

— Quais as ordens extras?— Fui direto ao ponto.

Marcamos de sair daqui exatamente às 11h da manhã e estamos quase ficando atrasados, claro que não vou falar nada afinal parte desse atraso foi culpa minha e da minha visita a minha amiga incrivelmente grávida.

— Queria apenas frisar para vocês a importância de trazerem resultados, isso é uma guerra e nós não podemos perder.— Falou como um verdadeiro general de guerra, e como eu esperava as instruções eram apenas uma cobrança a mais.

É ótimo conhecer o meu irmão tão bem assim, mesmo que ele negue isso para sempre.

— Vocês precisam que alguém acompanhe vocês até o jatinho?— Meu pai perguntou se juntando ao meu irmão e eu esperei o Henrique responder, não quero que ele sinta que eu o estou obrigando a fazer minha vontade.

— Não precisa senhor, vamos sozinhos com o motorista, não se preocupem.— Não pude evitar um resquício de felicidade brotando em mim quando ele decidiu irmos apenas nós dois, se a minha presença fosse algo intragável para ele certamente iria querer passar o mínimo de tempo sozinho comigo possível.

Infelizmente essa fagulha de alegria e contentamento se apagou tão rápido quanto surgiu.

Assim que entramos no carro Henrique colocou fones de ouvido no último volume e fechou os olhos disposto a me ignorar, e algo me do que a viagem inteira será assim.

Maldita Perdição - Livro 3 da Série: Família Fontenelle Where stories live. Discover now