DON'T GO YET

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Sentada à mesa, poucos anos de existência, com minhas roupas de garoto e bonecos de ação nos bolsos. Eu permanecia muda, como meus bonecos, devia me calar, uma criança jamais deve falar quando não for conveniente. Ser educado é ficar em silêncio. Entrar na mesa e dizer apenas “obrigado”, sair com um “com licença. Ficava vermelha quando sem querer raspava o prato, meu pai me olhava por cima e minha mãe escondia os dentes.

Uma família unida jantando feliz, digna de pintura para expor na sala de estar, mas longe de ser como as propagandas de margarina.

Meu pai falava sobre os negócios e quantas pessoas o irritaram ao longo de sua jornada de trabalho, ou sobre os vizinhos com suas músicas irritantes. Nenhum comentário inteligente vinha a minha mente, e mesmo se viessem, eu não ousaria correr o risco de uma bobagem ser dita. Minha mãe falava sobre supermercado e em como a vizinha nova é irritante, sempre havia uma vizinha nova, e ela sempre era irritante aos olhos de mamãe.

Jamais questionei minha infância, todos os hábitos nela instalados, tudo que eu queria era me ver livre daquela mesa silenciosa de atenção e voltar a segurança do meu quarto também silencioso. As vezes o silêncio sufocava, então colocava Britney ou Amy Whinehouse, usando fone, claro. A música sempre foi meu maior refúgio, então um lado do fone não funcionar era meu abismo.

Aprendi Mozart como minha mãe queria. Comia legumes e verduras devagar e com ódio, era o mesmo alimento da merenda. Brócolis me causava caretas, e inhame me dava enjoos, porém me proibiam criticar, me censuravam antes da minha própria censura. E eu me limitava antes de chegar aos limites.

E agora aqui estou eu, mais de vinte e cinco anos depois sentada em uma mesa silenciosa, mastigando brócolis e remexendo legumes e verduras frescas no prato. As coisas que mais odiamos na infância fazemos por vontade própria na fase adulta, e tudo que queríamos tanto fazer na fase dos dentes de leite, hoje nos privamos. Como dormir tarde, comer doces e confiar nas pessoas.

—Pinoquita, David tá louco atrás de você! — Dinah chegou com seu jeito silencioso e discreto, e chamou a atenção de todos no restaurante em que eu estava. —Não sei como você consegue comer esse mato. Credo!

—Preciso manter a minha forma. E como você me encontrou aqui?— Ela sentou à mesa, jogando minha bolsa pra mim e já procurando o garçom com os olhos.

—Você só vem nesse lugar, Lauren, tudo seu é uma rotina. Ainda tô surpresa com a moça que você levou pra cama mês passado—. Sussurrou a última frase e me lembrei dela. Camila e seu lindo sorriso. Ual um mês! Como os dias passam rápido, ela deve me odiar. Saí e a deixei como se ela fosse uma qualquer, como se o que tivemos não tivesse significado nada. Mas deveria significar?

O garçom se aproximou e Dinah o olhou animada. —Quero um flapê com bastante calda de chocolate, e quero a calda quente.— Olhei Dinah surpresa pelo pedido extremamente calórico.

— Dinah...

—O que? Preciso manter a minha forma.

— Nada, estou esperando quanto de insulina você vai pedir pra acompanhar isso aí.

Ela me revirou os olhos. —E aquela latina gostosona lá? Não te procurou mais?

Minha vez de revirar os olhos. —Não me procurou, e também não deixei nenhum contato pra isso.— Dinah me olhou surpresa.

—A única mulher até hoje que vai pra cama com você sem você precisar pagar ou se vestir de homem, sem te julgar, sem te usar e você nem pega o telefone dela?— balançou a cabeça negativamente —Não esperava isso de você Pinoquita, não te criei pra isso.— Dinah era muito dramática.

Realmente, estou tão acostumada a ser rejeitada, ser humilhada e expulsa que quando alguém me trata diferente eu fujo, não sei como  agir.

—O que David quer?— Mudei de assunto, não queria pensar em Camila.

Intersex - a história  de LaurenWhere stories live. Discover now