Ambulancia

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A gente não confia que as pessoas não irão nos fazer mal.

A gente confia que se elas fizerem, teremos repertório para lidar com isso.

E com esse pensamento segui minha vida, criei minha história.

Sei que sou muito sentimental, era algo que eu queria mudar em mim. Meu pai sempre me dizia "você é muito sentimental pra um homem", e oh, é isso pai, não sou um homem. Mas mesmo sempre sentindo que não fosse, essas palavras me impactaram e me fizeram mal do mesmo jeito.

Uma nova mensagem vibrou no meu celular, era Camila. Optei por deixar na barra de notificação, não a estava evitando, só estava me dando um tempo.

Quanto tempo de repertório até alguém inventar algo novo e me destruir de novo?

Parei o carro na entrada da minha antiga casa, Samira, a babá do meu irmãozinho, já estava me esperando na porta.
Sai do carro, o pequenino já veio correndo com as mãos cheias de papéis. Ele abraçou minhas pernas, pude sentir o cheiro de banho recém tomado que vinha dele. O cheirinho dele era o melhor do mundo.

— Sentiu minha falta, kid? — Abaixei na altura dele.
Ele balançou a cabeça afirmando que sim, ansioso catando os papéis que caíram no chão devido ao nosso impacto.

Samira se aproximou, enquanto limpava seu nariz árabe de algo que parecia ser risco de canetinha. — Ele fez esses desenhos na escolinha essa semana, estava ansioso pra te mostrar.

Ele me entregou um dos papéis com rabiscos em giz de cera. Era um monte de riscos e círculos deformados, era a obra de arte mais linda que já vi.

— De jeito nenhum que foi você, Kid! Tá muito lindo!

Ele pulou de alegria e abraçou as folhas. — Foi eu sim! Foi sim! Gostar?

— Eu amei! Então você é um artista. Vou ter uma pra expor na minha casa,ne?

Ele me entregou outra folha. — Pode fica com peixe.

Era um círculo torto rabiscado com quatro cores diferentes. — Que lindo!! Qual peixe que é?

Ele me olhou como se eu fosse uma idiota.
— É peixe. Peixe é peixe.

Samira riu e me entregou a mochila dele, me levantei e peguei com ela.

— Obrigada por ter vindo aqui me esperar, Samira.

— O som do seu carro é inconfundível.
— Mostrou o carro com as mãos, o brilho de admiração em seus olhos. — É uma BMW.

— Tô pensando em trocar por uma Ferrari. — Menti. Aquele carro me custou um fígado, óbvio que não iria trocar tão cedo, mas queria ver a cara dela.

Ela passou a mão em seus cabelos longos e negros e sorriu. — Sua mãe queria te ver antes de você partir.
Revirei os olhos. — Hoje não dá tempo.
— Senti Nathan puxar minha calça.

— Pai em casa.

Congelei na posição que eu estava, meu pai estava logo ali dentro daquela casa e eu do lado de fora.

— Samira, tenho que ir. Agradeço.
Puxei Nathan pela mão, peguei as folhas e quase correndo coloquei ele na cadeirinha. Bati meu recorde em velocidade.

Intersex - a história  de LaurenWhere stories live. Discover now