Knows me

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Entrei na casa onde cresci, não foi aconchegante. Foi como voltar para a escola em que já estudei, as coisas estavam diferentes, tinha aquele sentimento de não pertencimento, tinha aquela nostalgia, e principalmente tinha a vontade de sair correndo dali.

— Bom dia, mãe. — Beijei-a na testa, ela estava sentada no sofá. —Seu marido esta por ai?

Ela colocou o celular de lado e me olhou desgostosa. —Seu pai foi pescar com o sócio. Ele é seu pai, não importa o que você fale ou pense. Ele merece respeito.

— Eu também mereço, mas nunca recebi isso dele. Se ele não me aceita como filha, não o aceito como pai. Foi ele que escolheu me abandonar. 

— Olha, — Ela soltou o ar exausta, como se tivesse cansada de uma longa batalha. — Estava tudo tão perfeito. Você sempre foi o filho que ele sempre quis, custa tomar os remédios, os hormônios lá, em vez de ser essa...

— Aberração? É isso? — Ironizei.

— Você sabe que eu não ia dizer isso, filho.

— Mas foi o que ele me disse aqui nessa sala a 15 anos atrás. Mãe, uma genitália não me define. — Tirei o presente dela da bolsa. — Trouxe pra senhora — Estendi o embrulho dourado.

Ela olhou por alguns segundos e voltou ao seu celular. — O único presente que me interessa é ver vocês dois conversando de novo.

Joguei o embrulho no sofá, assim como joguei fora horas escolhendo aquele maldito presente, com a expectativa que ela fosse gostar. Por que vivemos assim, sempre nessa busca idiota de aprovação, de migalhas de amor?

— Cadê o Nathan? Já preparei meu dia com ele. — Cruzei os braços, queria correr dali.

— Não acho que no momento você seja um bom exemplo pra ele. Ele já está crescendo, não vai entender porque o irmão é um travesti.

— Nathan!— Gritei indo em direção as escadas.

— Filho, eu não quero te ofender, não foi essa a intenção. Mas é que será confuso pra ele. Ele é só um menino.

Poucos segundos depois meu irmãozinho desceu, pulando de dois em dois degraus. Abaixei para abraça-lo. — Preparado pra passar o dia todo comigo, soldado?

Ele fez sinal de continência. — Sim, senhora. — Os três anos de cabelo bagunçado gritou sorrindo. —Tchau, Clara.

Se despediu da minha mãe, que pegou uma mochila do Ben10 e me entregou.

— Seja obediente, Nathan. —

Ele a ignorou.

— Fique com Deus, mãe.— Dei um beijo na bochecha dela.

— Pensa no que falei com carinho. Ele te admira, não seja um mal exemplo a ele.

Sorri amarelo e fui puxada para a porta por Nathan, que pulava e me contava sobre um amigo da escolinha.

Nathan era fruto de uma relação extra conjugal do meu pai, dinheiro comprou a progenitora que abriu mão dele, mas não comprou o amor que ele precisava. O menino foi jogado aos cuidados de minha mãe. Ele nunca a viu como mãe, e ela nunca fez questão. Toda semana passo um dia com ele, e toda semana escuto as mesmas palavras da minha mãe.

Quando as mudanças da puberdade chegaram para mim, meu pai foi embora.

Eu fiquei sentada na varanda vendo ele colocar suas coisas no carro.

Todas as coisas que eu amava.

Seus livros de literatura, tacos de golfe, vara de pescar, discos dos Beatles, ele mesmo. Vi meu herói indo embora, sentindo que ele nunca mais voltaria, e eu não sabia o que pensar.

Intersex - a história  de LaurenTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang