Feel it Twice

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O relógio do notebook marcava 04:05 am. 
Um cheiro familiar de pinho e gelo me fez levantar da cadeira e olhar pela janela do escritório. Senti aquela euforia de véspera de natal, mesmo ele já tendo passado. Incrível como aromas são capazes de mudar e moldar nosso humor.
 
O "cheiro de natal" começava em novembro, eu me preparava mentalmente para as coisas ruins e boas que viriam, principalmente para as ruins.
 
Hoje não sinto mais o cheiro de natal, mas ainda sinto o cheiro dela... da neve.
E ela só me traz lembranças boas.
 
A porta se abriu e uma pessoa entrou apressada.
 
— Puta que pariu, Lauren! — Dinah tirou o casaco e cachecol. — Tá frio pra caralho lá fora, por que você tá aqui?
 
Pela quantidade de palavrões ela estava irritada. Não tirei os olhos da janela. — Eu tô sentindo o cheiro de neve.
 
Ela sentou na poltrona em frente ao aquecedor e aumentou a temperatura. — Tá extremamente frio, mas não vai nevar. Esse ano será igual o passado: sem neve. Em compensação em Delawere e no Maine o povo não tá conseguindo nem sair de casa com o nível do gelo. — Ela esfregou as mãos uma na outra e me olhou. — Agora me fala por que merda você chegou aqui tão cedo.
 
Olhei para ela e voltei a minha mesa. — Eu nem fui pra casa. A apresentação do projeto é semana que vem.
 
Dinah me olhou preocupada. — Hoje é dia 31, você não deveria tá aqui, deveria ta em casa dormindo pra hoje à noite.
 
— Não sei se eu vou.
 
Dinah se levantou, indo em direção a minha mesa. — Olha aqui, David me ligou falando que viu pela câmera que você tava aqui, ele tá preocupado com você. Mary falou que você mal ta comendo direito. E Guava falou que quando chega você já ta aqui e quando ela sai você também ta aqui.
 
— Então estou sendo vigiada? Eu sou adulta, posso...
 
— Não, Lauren! Para de tentar se defender, não tem ninguém te atacando. Estamos preocupados com você. Dinheiro é importante, mas não é tudo. Saúde é tudo, porque se você não tiver saúde, o resto não importa.
 
Fiquei calada, não tinha como eu argumentar com isso.
 
Ela foi até sua bolsa. — Vamos embora, vou te levar pra casa e te vigiar dormir.
 
Quando estava recolhendo minhas coisas, ouvi ela xingando.
 
— Puta merda! Tá nevando. Como que a gente vai embora agora? Não tô com rodas de neve.
 
******
 
Acordei algumas horas depois com meu celular vibrando e minha cabeça estourando. Virei no sofá do escritório e alcancei o aparelho, resmunguei ao perceber que era uma mensagem de Camila.
 
"Bom dia! Que seu dia seja tão maravilhoso quanto seu sorriso. Cuidado, estava nevando hoje, calce botas de neve. Saudades."
 
Ainda era 7hs, coloquei no silencioso e virei novamente, voltei a dormir. Onde meu celular foi parar, só Deus sabe.
 
Às 9hs eu estava sentada em minha mesa revisando o projeto, após 15 minutos procurando o telefone, desisti e fui trabalhar, ela que aparecesse quando quisesse, minha cabeça estava doendo demais para eu me importar.
 
Às 11hs Guava me ligou.
 
— A Sra. Dinah está aqui para te ver.
 
Antes mesmo de ter a chance de responder, Dinah irrompeu em meu escritório e fechou a porta.
 
 Juntei as mãos e girei na cadeira para encará-la — O que é?
 
Dinah cruzou os braços e me encarou como se eu tivesse batido em um filhote fofo de cachorro. — Então você levou Camila pra conhecer a família? Você está louca?
 
— Como você sabe disso? — Franzi a testa. Eu falei pra Camila não falar nada para evitar exatamente esse cenário.
 
— Sua avó tem Facebook, sabia disso?
 
Respirei chateada. Claro que ela tinha, minha avó era uma senhorinha moderna. E Dinah nem tanto, já que tem Facebook.
 
— Camila esta toda feliz nas fotos junto com seu irmão e sua avó.
 
— Há algum sentido nisso? Porque estou meio ocupada aqui e...
 
— A questão, Lauren, é que você tem uma garota que provavelmente está apaixonada por você e você a levou pra conhecer sua avó, e pelo que me lembro, você a levou pra conhecer sua mãe também. Sendo que você não deixa ninguém chegar nem a 2 quilômetros perto da sua mãe. 
 
Não resisti e revirei os olhos. — Ela é minha amiga. Então por que é tão estranho ela conhecer minha família? Você os conhece. Mary os conhece. David os conhece.
 
Dinah soltou o som pelos lábios em zombaria, odeio quando ela faz isso. — Isso não é o que os "amigos" fazem e você sabe disso.
 
— Ok, então, me esclareça: o que os "amigos" fazem? — Meu tom aumentou.
 
— Pra começar, eles não aparecem no trabalho um do outro todos os dias.
 
— Não é todo dia.
 
— Ou tranzam no sofá do escritório.
 
— Isso foi só uma vez. — Me defendi. 
 
— Ou saem todas as noites. Ou ficam estranhamente possessivos.
 
— Como assim?
 
— Guava me disse que Camila olha pra ela de uma forma intimidadora toda vez que ela passa por aqui. Tudo porque ela flertou com você uma vez.
 
Não sei porque isso me irritou tanto. Levantei as mãos e quase gritei: — O que você quer que eu diga? Isso não é da sua conta de qualquer jeito.
 
— Eu já te disse que há algum sentimento da Camila e tudo isso vai explodir na sua cara. E quando isso acontecer, só vou dizer que eu avisei.
 
Ficando ainda mais agitada, eu levantei da cadeira, senti una leve tonteira, mas minha irritação era maior. — Eu tenho que explicar isso pra você? Nós não temos esses sentimentos uma pela outra.
 
— Isso pode ser verdade pra você. Mas todos nós sabemos que não é o caso da Camila.
 
— Mesmo que ela tenha sentimentos, isso também não é da sua conta. Então, fique fora disso.
 
— Eu não vou ficar fora disso porque você é minha amiga e eu me preocupo com você.
 
— Eu sei, mas...
 
— Mas nada, se você quer ficar com ela, então fica, mas fica direito. E daí que ela é meio louca, quem não é? Ao menos ela faz tratamento. Não adianta você esperar que alguém venha pronto e perfeito pra você, que venha como você quer, porque nem você é como você quer.
 
Ficamos paradas por alguns segundos olhando uma pela outra. — Desculpa, não quero brigar com você. 
 
Minhas mãos tremiam, meus olhos ardiam, eu sempre odiei brigar com quem amo.
 
— Eu extrapolei. — Passou a mão no rosto. — Vamos lanchar? Tô com fome.
 
— Adoro essa forma sua de pedir desculpas.
 
Dinah sentou no sofá, deu um pulo e começou a levantar as almofadas, procurando por algo.
 
— Que foi?
 
— Vibrou aqui. Achei, é seu celular. 
 
Dinah me entregou, ele estava descarregando. Havia várias chamadas e mensagens de Camila. Coloquei para carregar, peguei minha bolsa e saí com minha amiga.
 
********
 
Trabalhei o máximo que pude antes do meu mal-estar encerrar o dia por volta das três horas. Fechei tudo no computador e peguei a bolsa. Peguei o telefone pela primeira vez desde o almoço e vi várias mensagens de Camila:
 
"Lauren?"
 
"Me desculpe. Isso foi estranho?"
 
"Lauren?" Está chateada pela mensagem? Foi só um bom dia."
 
"Está tudo bem?"
 
"Você está me assustando."
 
"Você pode me responder, por favor?"
 
"A neve parou, vc tá bem?"
 
Além disso, havia algumas ligações perdidas dela, aliás, muitas ligações. 
 
 Exalei o ar e passei a mão pelos cabelos, sentindo-me desconfortável depois da conversa com Dinah mais cedo.
 
Peguei minhas coisas e saí da sala, passei na Guava: 
— Não estou me sentindo bem. Você pode encaminhar todas as minhas mensagens pro meu celular?
 
— Claro, sra...
 
— Já falei que pode me chamar só de Lauren.
 
— Lauren, houve algumas ligações de sua amiga Camila. E o sr. Corsoni está com aqui.
 
Arregalei os olhos, como assim o alvo do meu projeto de dias está estava na mesma cidade que eu?
 
— David não me falou nada. Dinah tá sabendo?
 
— Ele está de passagem, veio apenas conhecer a produtora.
 
Minha cabeça latejou ainda mais; assenti e me virei para sair, ao longe vi o Corsini ao lado de David.
 
 
Imediatamente me endireitei e sorri, eu sentia que a qualquer momento iria vomitar. — Olá, Sr. Corsini.
 
— Está tudo bem? — Ele perguntou com uma carranca. — Parece pálida.
 
— Não estou me sentindo bem, então vou para casa um pouco mais cedo. Meus sócios irão te atender da melhor forma.
 
— Fique bem. Te aguardo pra nossa reunião.
 
— Sim senhor.
 
— Bom.
 
Quando ele balançou a cabeça e se virou, caminhei até ao elevador. Peguei o celular e comecei a digitar uma mensagem para Camila, informando que eu estava bem.
 
Mas assim que as portas do elevador se abriram, olhei para cima e dei um pulo ao ver Camila parada bem ali.
 
— Você me assustou! — Engasguei. — O que você tá fazendo aqui?
 
Camila parecia sem fôlego. Ela se aproximou de mim. — Eu tava tentando entrar em contato com você e você não tava me respondendo.
 
 Olhei para o corredor e vi Corsini parado. Ele nos olhava com curiosidade.
 
Rapidamente agarrei Camila e a puxei para dentro do elevador, apertando o botão para fechar as portas. — Eu estava prestes a lhe enviar uma mensagem. Estive muito ocupada hoje.
 
Camila me olhou de cima a baixo — Você já tá saindo do trabalho?
 
Eu não me sinto bem.
 
— O que tá errado? Que que você tem?
 
Dei de ombros. — Eu só preciso descansar um pouco.
 
As portas do elevador se abriram no térreo e saímos juntas.
 
— Você não precisava passar por aqui. Falei enquanto caminhávamos para fora.
 
— Eu tava preocupada que algo pudesse ter acontecido com você, porque você não tava me respondendo.
 
— Eu tenho uma vida. — Respondi brusca. — Eu não passo todo o meu tempo conversando com você.
 
Camila parecia que havia acabado de levar um tapa e; instantaneamente eu me senti culpada ao ver a dor passar no rosto daquela menina que estava só preocupada.
 
Parei de andar e suspirei, sentindo o cheiro de pinho e gelo. — Desculpe.
 
— Está tudo bem. — Camila respondeu calmamente.
 
— Não. Isso foi maldoso e fora do limite. Eu realmente sinto muito. Tenho estado tão estressada ultimamente.
 
— Entendo.
 
— Vou te levar para casa. Ok?
 
Tentei pegar a mão de Camila, ela puxou a mão como se tivesse levado um choque.
 
— Não, obrigado, Lauren.
 
Quando Camila se virou para ir embora, a impedi, agarrando seu pulso. — Por favor, deixe-me levá-la pra casa, vai começar a nevar.
 
— Você não tá se sentindo bem e precisa descansar um pouco, como você disse. Posso ir para casa da mesma forma que vim.
 
 Ela se afastou e foi embora, com o olhar mais frio que a neve que começou a cair.
 
Fiquei parada na Fifth avenue enquanto assistia Camila se afastando.
Tudo que eu queria era vomitar e chorar.
 

Eu precisava fazer alguma coisa. Sei que dessa vez errei feio demais.

EU PRECISO FAZER ALGUMA COISA URGENTE!

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⏰ Última atualização: Mar 31 ⏰

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Intersex - a história  de LaurenOnde histórias criam vida. Descubra agora