LÍGIA - CAPÍTULO IX

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"... A fuga, não é eterna [...] é, por assim dizer, um labirinto do qual somos criadores e reféns."

- O livro das coisas vãs

Essa frase ficou armazenada na minha cabeça desde os meus 15 anos quando li esse livro para o recital de poesia no orfanato... E agora diante da pergunta de Anely me perguntando porque eu tinha voltado com Isabelle, eu sabia que tinha chegado nesse labirinto que eu mesma criei. Não tinha como fugir dela.

- Foi um momento de carência... Estava de cabeça quente, porque você não tinha aceitado que eu fosse jantar na sua casa. Eu tinha reunido todas as minhas forças pra tentar aquilo, quando você recusou, eu vi que você estava mesmo apaixonada pelo seu ex namor-
- Honestamente, acredito que nunca fui apaixonada por ele.
Paralisei. Os olhos amendoados dela me fitavam com sincero

- Como professora de língua portuguesa imagino que não use as palavras descompromissadamente, então se usou esse honestamente... É porquê provavelmente você sabe o que é o amor... Sabe o que é se apaixonar de verdade... Estou certa?
Seus olhos fugiram dos meus. Baixou a cabeça lentamente e deu um risinho de canto cutucando com a mão direita alguma cutícula de unha da mão direita

- Bem observado. - respondeu com um certo pesar na voz - eu... Acho que sei...
Sua resposta era vaga, fugidia. Não iria me contar nada que não quisesse. Mas, isso, isso era novo pra mim, não conhecia essa parte dela.

- Droga, achei iríamos ter um papo cabeça sobre sentimentos - brinquei - mas, você escorrega mais que quiabo, menina.
Ela riu.

- Bom, um papo cabeça eu não posso te oferecer, mas sinto muito que tenha passado uma impressão errada em relação ao meu ex

- Eu entendo. Infelizmente chegamos em um assunto desconfortável...

- É - prensou os lábios - esse assunto é uma merda. Mas, tudo vai se resolver. Vou até o fim pra fazer ele pagar por tudo isso.

- Sobre isso, você tem a coragem que muitas pessoas não tem, e que bom que você tem, mas essa coragem não é suficiente, você precisa de segurança também... E aqui - gesticulei um círculo no ar - você não está segura.

- O que eu posso fazer? Preciso confiar na justiça desse país... E outra, não é como se eu conseguisse pagar um hospital com meu salário de professora... - fez uma pausa como quem lembra de algo doloroso -é uma loucura sequer considerar isso.

- No que tá pensando?

- O quê? Como assim?

- Está aí...

- O quê?

- A ruguinha no meio das suas sobrancelhas... Elas aparecem quando você está pensando sobre algo que não gosta...

Minha observação como sempre perspicaz e como sempre demonstrando mais do que eu podia, ela me olhou confusa, jogou a cabeça para o lado para me encarrar semicerrando os olhos

- Ao que me parece você tem muitas observações a meu respeito... Para quem me conhece a uma semana apenas...

- Fazer o quê, eu sou uma pessoa de detalhes... Agora, não fuja do assunto, o que está te preocupando? - emendei rapidamente para que ela não tivesse tempo de me decifrar ou fazer novas perguntas. Ela tornou a desviar o olhar, baixou a cabeça e voltou a mexer nos dedos, como quem queria fugir daquela conversa a todo custo

- Bom... Eu, eu... Eu conheço bem o Alberto, quando digo isso, falo até sobre... Sobre o que ele fez comigo... No fundo, no fundo, eu sempre soube que ele era capaz de coisas assim. Agora, eu só me vejo sem escapatória... Porque ele não vai ao tribunal, não vai. Sei que não, se ele não me matar aqui dentro do hospital vai me pegar lá fora. Entende? De qualquer maneira eu já estou sentenciada, ele não está habituado a pagar pelo que faz. É um riquinho metido a besta. Simplesmente vice presidente da ordem. Nada o alcança. Eu já estou marcada pra morrer, Lígia.

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