Anely - XVI - MONSTROS E PESADELOS.

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Por dentro do apaixonado corre um fogo, que ora queima e consome, ora tortura e arde.
{Confissões de um caderno escroto}

Eu li esse livro para escrever a minha dissertação do mestrado, sou mestra em literatura e estudo o erótico na literatura. E por vezes li essa passagem sobre o fogo lembrando de Maria, minha ex... Minha primeira... mulher. Ela fora minha como eu, até hoje, era dela. Aquilo foi real, e aquilo era o que eu entendia por fogo que queima e consome. Maria, ela me consumia e me queimava, e era bom. Sentia o gosto do perigo toda vez que a beijava, e adivinhe? Eu não tinha o menor medo.

Ali, olhando Lígia parada a minha frente, com aquela sinceridade do querer estampada em seu rosto e corpo, eu sentia meu coração acelerar como a anos não acontecia, sentia minhas mãos suarem frio e o medo de perdê-la, assim como eu tive medo de perder Maria, era maior que a preocupação com qualquer outra coisa... Uma amiga me disse uma vez que eu só havia ido parar no centro de reabilitação lésbica porque me "entreguei" demais ao sentimento.

Mas, para mim o único jeito de amar é se entregando totalmente, e era bom saber que eu ainda tinha fogo dentro do sangue, era bom me sentir adolescente de novo.

— Ei, calma - a voz suave de Lígia dizia rompendo o silêncio constrangedor, seu rosto era sereno e não parecia preocupada como geralmente parecia, ela caminhou até mim, parou a uma certa distância e pegou minha mão esquerda, enlaçou nossos dedos e voltou a falar - podemos lidar com isso, somos adultas

— Somos amigasss, somos mulheresss - soltei antes que eu sequer pensasse sobre o que iria falar fazendo menção ao meme da novela mulheres apaixonadas, eu, definitivamente, estava convivendo muito com os meus alunos. Lígia se curvou numa risada super sincera e eu ri junto levando a mão livre a boca — Meu Deus, desculpa! Foi irresistível!!!!!! - falei

— Você não muda mesmo!!! — falou ainda rindo

— Como assim não mudo? — perguntei confusa, Lígia não tinha tempo suficiente comigo para me conhecer desse jeito. As vezes ela soltava umas frases que simplesmente não encaixavam...

— Ãm... Falo dos lugares, na escola, na casa de Dália... Aqui no hospital ... No seu carro... — um sorriso malicioso se formou em seus lábios e senti ela apertar mais seus dedos entre os meus. — você é autêntica. Gosto tanto disso... — completa rapidamente

Lhe ofereço o melhor sorriso que consigo, mas o fogo do desejo parece dar lugar a culpa. A consciência recobra seu lugar e cobra a dívida. Acabei de beijar uma mulher comprometida. Sei que Dália me contou sobre como a mãe dela precisa de um rim e a namorada dela vai doar, e sei que Dália disse que não, Isabelle não é flor que se cheire, ela é ardilosa e calculista, mas sinto nos ombros o peso de quem acaba de errar, errar feio.

— Eu cometi um erro. — digo sinceramente — não estou pronta para nada disso, acabei de sair de um relacionamento conturbado de anos, não tenho direito de trazer você para minha confusão.

— Eu não acho que você me beijou sozinha, eu a beijei de volta. E digo mais, a anos eu não sentia essa felicidade que acabei de sentir. Então não me peça para chamar isso de erro, porque isso pode ser tudo... Menos errado, Anely. — ela diz, ainda com um lampejo de loucura e fogo nos olhos

— Você não pode dizer isso... Nos conhecemos a apenas uma semana. Não dá pra pedir o amor eterno de alguém que se conhece há uma semana, não dá para esperar que a pessoa vire a vida dela de cabeça para baixo por você ... Sendo que você acabou de chegar... — nesse momento uma rajada de ar atinge meu peito, quase como se o esmagasse... E reconheço em minhas palavras o que eu fiz por ela... Foi inconsciente, mas foi por ela, por causa dela. Por algo que eu não conseguia minimamente identificar ou entender.

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