IV - Passagem para outra dimensão

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Perdida! Sentia-se perdida. Iria pagar por um crime que não tinha cometido. E só por causa de uma teimosia esquisita, uma consciência contrária aos seus instintos de preservação que lhe dizia para insistir naquilo.

Amanda Scott pediu a Poleris que lhe trouxessem água, apenas água, fresca para se hidratar, antes de este sair da sala de interrogatório, acompanhado do calado Eric Crowe. Ainda conseguira murmurar esse pedido, por entre o seu desnorte. Não percebeu se tinham concordado, porque falara sempre de cabeça baixa e num fio de voz.

Tinham-lhe dado alguns minutos para pensar. Ela não tinha nada para pensar! Fizera asneira e agora tinha de pagar as consequências do que tinha feito. O melhor seria contar que regressara ao Call Center para se ir refugiar na tal sala de reuniões e que recolhera o bilhete e...

Uma dor apertou-lhe as costelas, como se estivesse dentro de um colete de forças.

Havia outra coisa para além do bilhete que tinha apanhado e que estava junto do cientista assassinado. E não sabia explicar porquê, mas logo que a polícia chegara e desatara a fazer perguntas, resolvera que não iria revelar aquilo a ninguém... Curiosamente não tinha sido revistada. Tinham-na algemado e levado para aquela sala de interrogatório do FBI e continuaram sem revistá-la. Se sabiam do bilhete foi porque ela o tinha entregado.

Suspirou profundamente e levantou ligeiramente o rosto. Olhou através das pestanas e reparou que tinha uma câmara de segurança a apontar diretamente para ela. Estavam a gravar os seus instantes, as suas atitudes. Haveria certamente alguém do outro lado da janela espelhada que a estava a ver diretamente e que conferia, de quando em vez, as imagens do monitor transmitidas por aquela mesma câmara.

Então, foi discreta.

Continuava sem perceber por que motivo estava a fazer aquilo, mas a sua intuição feminina gritava-lhe que não lhes contasse ainda sobre o misterioso relógio, com a pulseira rasgada, que recuperara junto do cadáver do cientista.

Disfarçadamente retirou o objeto de dentro da blusa interior. Não o tinha guardado no bolso das calças, o volume teria chamado a atenção – outra das suas decisões que implicavam que ela, inconscientemente, sabia que iria precisar daquilo. Então enfiara o relógio dentro das roupas e sentia-o a picar junto ao cós das calças, mas não denunciara que o tinha. Por causa do seu desacerto e relativo pânico, ninguém se apercebeu que guardava algo sólido ali.

Então, disfarçadamente retirou o objeto e apertou-o entre as mãos que escondia debaixo da mesa. Cabisbaixa, com um aspeto deplorável devido aos cabelos despenteados que caíam numa cascata e lhe escondiam o rosto, quem a visse através da câmara, através da janela espelhada, não dava a entender que estaria a fazer alguma coisa. Percebia-se somente que ela estava deprimida com o que estava a acontecer, derrotada pelos acontecimentos, exausta demais para ter uma postura menos acabada. E sedenta, pois pedira água.

O relógio estava peganhento e ela imaginou que fosse por causa do sangue. Sentiu nojo, mas não parou de o explorar com os dedos. O polegar passou pelo mostrador, num gesto de limpeza. A correia estava rasgada, o defeito devia ser de origem. Ou teria Charles Big tentado arrancá-lo do pulso do cientista? Mas se o fizera, por que motivo o deixara ao lado do cadáver?

Ela pensava. Talvez porque quando o ia levar, Charles Big escutara o barulho que ela fizera e correra atrás dela que tinha sido uma testemunha do assassinato do cientista. Então, com a pressa, tinha-o deixado cair e não se tinha apercebido, pelo que não voltara à sala para recuperar o relógio.

E aquilo seria mesmo um relógio?

Como estava de cabeça baixa não lhe foi difícil continuar a ser discreta e Amanda espreitou o objeto que se fechava entre os seus dedos. Bem, parecia um relógio. Era quadrado e a superfície do mostrador preto, de forma também quadrangular, era de vidro. Existiam teclas minúsculas na lateral e com os dedos pressionou ligeiramente. A coisa ligou-se, emitindo uma ténue luz verde. A garganta dela apertou-se, com receio de a luminosidade ser percetível e fechou as mãos sobre o relógio.

SentenciadosWhere stories live. Discover now