XII - Jogadores

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Por causa do olhar que Hugo Black lhe tinha lançado, Poleris dispensou Crowe. Com um gesto indicou-lhe que ficasse do lado de fora do gabinete. Claro que Crowe não gostou nada de se ver privado daquela conversa que seria crucial para determinar o que se estava a passar e explicar, talvez não totalmente, mas algumas dicas serviriam, mesmo as mais leves e improváveis, a confusão do investigador-chefe.

Eric Crowe fez questão de mostrar o seu desagrado. Seguiu Black, que seguia Poleris, até ao gabinete do inspetor-chefe do FBI e fechou a porta do mesmo, isolando os dois que queriam conservar particularmente. Segurou a maçaneta da porta durante algum tempo, fixou o seu olhar despeitado no chefe, mostrou-se carrancudo e só depois dessa pausa que demonstrava os seus sentimentos é que fechou a porta devagar, o mais devagar que conseguiu. Mesmo no meio do barulho que caracterizava a agência, havia sempre alguém que falava alto ao telefone, que chamava pelo colega através da sala, que gostava de se rir para aliviar o ambiente onde se investigavam crimes, Crowe foi capaz de escutar o trinco da porta a entrar na lingueta.

E deste modo ficava privado de saber quem seria esse tal de Hugo Black.

Confiava em Poleris, obviamente. Se houvesse alguma possibilidade de Black ajudá-los a desvendar o que quer que existisse ali – o tal homicídio inexistente do cientista, a acusação inexistente de uma secretária – Poleris seria capaz de arrancar essa colaboração e o outro nem sequer se apercebia de que estava a entrar no jogo do experimentado inspetor-chefe. Crowe, contudo, detestava ficar, muito sucintamente, "do lado de fora do gabinete". Gostava dos métodos inteligentes e subtis de Poleris, aprendia muito quando se deixava ficar num canto a assistir às conversas direcionadas de Poleris que enganava com a sua simpatia profissional e moldada em técnicas apuradas de persuasão, conforme ditava o manual da academia, conseguia preencher as poucas lacunas deixadas por Poleris e acreditava que o chefe agradecia e admirava a sua intuição acutilante.

Naquele dia, ele não iria participar nesse jogo agradável e estimulante.

Passou uma mão pelos cabelos, mordendo os lábios. Sentia-se furioso com a situação. Depressa, todavia, aplacou a sua ira e dirigiu-se para a área de receção da agência. Ele era o assistente do inspetor-chefe, deveria, tal como se lembrara, preencher os espaços em branco de qualquer investigação que Poleris levasse a cabo – se Poleris estava ocupado com Black e não o queria por perto, então ele deveria, embora não lhe tivesse sido atribuída essa tarefa diretamente, completar a investigação daquela manhã com as evidências que pudesse apurar, incluindo os depoimentos que o inspetor-chefe não fosse capaz de conduzir por manifesta falta de tempo e de oportunidade. Se já não interessava o Jiménez, então interessaria o tal misterioso homicídio e ele tinha de agir.

Mandou chamar o cientista e a secretária à sua mesa.

Como era apenas um assistente, Eric Crowe não possuía um gabinete só para si. O seu local de trabalho era uma ilha num espaço comum, ocupado por mesas de outros agentes de categoria inferior. Por causa da influência de Poleris tivera sorte e a sua mesa não se situava no centro dessa enorme sala caótica, onde se tratava de todos os assuntos burocráticos, administrativos, mais morosos e aborrecidos de uma investigação. A sua mesa estava num canto, próximo da máquina de café – que também era um local concorrido, mas geralmente os agentes que faziam a pausa para o café estavam interessados em tudo menos no trabalho e, geralmente, não espiavam o que Crowe estivesse a fazer. Sabiam também que os assistentes que colaborava com John Aldo Poleris eram intocáveis e que qualquer tentativa de intromissão em qualquer assunto tratado por Poleris era sinónimo de berraria, humilhação e até despromoção. Já tinha acontecido.

Portanto, ninguém incomodou Crowe quando este fez sentar o cientista na cadeira desconfortável que existia do outro lado da mesa.

Terris O'Brian era um sujeito franzino, ruivo, permanente acossado, bastante tímido e parco em palavras. Crowe percebeu que não o poderia assustar em demasia ou revelar qualquer detalhe que o deixasse curioso, porque podia atrapalhar mais do que ajudar. Os cientistas eram naturalmente curiosos. Se ele percebesse que se passava alguma coisa – Crowe não podia especificar que coisa seria – O'Brian passaria a sabotar os esforços de Poleris.

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