VIII - As razões do poder

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Gartix Vog observava a metrópole através da janela panorâmica do seu escritório. A sala ampla e minimalista situava-se no último piso do imponente arranha-céus que servia de sede à sua empresa multinacional. Era um dos edifícios mais reconhecíveis da cidade e fazia parte dos postais de turismo, pelo que eram organizadas visitas, em determinados dias, para satisfazer a curiosidade dos forasteiros e para que levassem uma recordação de viagem de um dos locais mais emblemáticos daquele lugar.

Ele apreciava esse tipo de adulação. Era bom para os seus negócios, era excelente para a sua lenda pessoal. Gartix Vog era um dos milionários mais conhecidos do país e o seu ego inflama-se com o orgulho de ser tão admirado. Todos os dias eram-lhe requisitadas entrevistas, sessões de fotografias. Todos as semanas aparecia num programa de televisão para fazer publicidade à sua faceta de filantropo. Todos os meses exigia que lhe apresentassem novas obras de caridade para fazer as suas contribuições e ser ainda mais admirado.

Ele alimentava-se desse ciclo vicioso de boas ações e de notoriedade, porque umas dependiam da outra e vice-versa. Se não fosse tão conhecido, não podia ser tão bondoso. Se fosse apenas benemérito nunca seria notado.

Essa era a parte luminosa de Gartix Vog. A parte que toda a gente conhecia e que toda a gente venerava.

A parte sombria, como na lua, estava sempre escondida.

Ele postava-se de mãos atrás das costas a contemplar a cidade que se estendia buliçosa e distante a seus pés. Ele reinava ali. Não tinha oposição, nem sombra, nem sequer um leve rumor de rival digno do combate. Tinha mais poder, sabia-o, do que o prefeito da cidade. E como acontece com qualquer poder absoluto, era embriagante.

Gartix sentia o perfume e o sabor do poder. Era capaz de um gesto magnânimo e de um gesto condenador. E como sucede quando se é imensamente poderoso, nunca se estava satisfeito.

Ele queria mais. Olhava em seu redor e a cidade não bastava. Teria de controlar o país, o continente, o mundo por inteiro. Fazer de todos, reféns, exigir um resgate tão imenso que a dependência da sua governança seria impossível de contrariar.

Fundara os "Sentenciados" como o seu exército pessoal, mas enquanto ele não fosse capaz de alterar a legislação tacanha que regia os preceitos antiquados que norteavam a justiça, continuaria a ser um grupo fora-da-lei. E ele relutantemente lutava para não ficar associado aos atos dos "Sentenciados", porque isso iria prejudicar toda a sua carreira que, em última análise, o levaria ao topo que lhe iria permitir fazer as mudanças radicais e explosivas que tudo iria legitimar.

Contudo, pequenos deslizes começavam a minar o secretismo da sua atuação naquela empresa clandestina. Os jornalistas incómodos começavam a fazer perguntas esquisitas e a descobrir demasiado, alguns políticos, sequiosos de projeção mediática, aproveitavam aquilo que lhes era soprado aos ouvidos para fazer insinuações, grupos de cidadãos utilizavam migalhas que eram atiradas aos ventos para espalhar inverdades e conseguir uma movimentação da opinião pública.

Estaria a ser descuidado? Gartix inflou o peito de ar.

Acreditava que não. Talvez estivesse a agir de uma forma mais ansiosa, porque detestava a falta de resultados. E aquilo estava a levar demasiado tempo. O principal agente da sua impaciência era o maldito cientista, que o levara a tomar uma decisão que ele classificava agora como precipitada. Provavelmente tinha agido de forma leviana. Muito provavelmente...

A notícia do homicídio de Terris O'Brian, ocorrida na madrugada passada, enchia os noticiários de qualquer canal de televisão. Passava nos blocos noticiosos das estações radiofónicas e estava na capa dos principais jornais. O FBI tinha-se metido no assunto e controlava o fluxo de informações, pelo que apesar da insistência dos jornalistas interessados sempre numa boa história sangrenta e chocante, pouco mais se adiantava sobre o ocorrido, a não ser que o corpo do malogrado cientista tinha sido encontrado numa sala de um prédio de escritórios da Rua 21.ª, com todos os sinais de que tinha sido executado. Mais nada. O resto eram especulações e uma biografia elaborada do homem que trabalhava na empresa "Bionics", com um elenco atabalhoado dos seus projetos.

SentenciadosWhere stories live. Discover now